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Em Não Estou Aí Todd Haynes revisita, porém com maior complexidade e ousadia formal e narrativa, o tom compósito do seu assombroso Veneno (longa metragem de estreia, de 1991), a cada personagem (e sua história) atribuindo uma linguagem visual própria, para cada um apostando numa distinta abordagem à fotografia. Assim como eleva a patamares de mais pessoal interpretação os modelos de revisitação da sua memória melómana que, em 1998, nos deu uma leitura, muito na primeira pessoa, dos dias do glam rock em Velvet Goldmine.
Apesar dos ganchos factuais - que vão de um traveling por Nova Iorque onde vemos a figura de Moondog ao convívio com os Beatles, do encontro com Allen Ginsberg ao choque que as plateias folk sentiram quando a música de Dylan optou pela electricidade – Não Estou Aí é mais que uma colecção de instantes, de sugestões, de canções e imagens. Que, no fim, mesmo somadas e assimiladas, acabam por não revelar quem, afinal, é Dylan. Porque, na verdade, ninguém o sabe... Mesmo sendo poderosíssimas as sequências protagonizadas por Cate Blanchet (que retratam o período de mitificação da personagem em meados de 60, a história viagem a Inglaterra na qual conhece os Beatles e a polémica “eléctrica” que gerou controvérsia entre os primeiros admiradores) e igualmente pungentes as cenas nas quais vemos Heath Ledger e Christian Bale, o conhecedor do universo “Dylanesco” tirará mais partido da descoberta das visões de Todd Haynes que os desconhecedores da obra do músico. Para estes últimos, em jeito de trabalho de casa, nada como ver, antes de Não Estou Aí, o soberbo No Direction Home, documentário realizado por Martin Scorsese sobre os primeiros anos da carreira de Dylan. OU, nas suas próprias palavras, ler o primeiro volume das Crónicas...
PS. Versão editada de um texto publicado no suplemento IN, da revista NS