E de repente as atenções estão voltadas sobre o bairro de Brooklyn, em Nova Iorque. Na verdade, a efervescência criativa que ali mora não é coisa com meia dúzia de meses de vida mas, antes, uma realidade com história antiga mas que, mediaticamente, só agora começa a ganhar visibilidade transversal. Depois de nos últimos anos termos, dali, acolhido com entusiasmo as entradas em cena de uns TV On The Radio, Clap Your Hands Say Yeah ou Au Revoir Simone e de, nos últimos meses, termos aclamado as estreias de uns Yeasayer e Vampire Weekend agora na berlinda estão (e enquanto os The Homophones não acabam de gravar o seu primeiro álbum) os MGMT (ler “management”). São uma dupla, que na verdade se conheceu nos dias da faculdade. Há já três anos lançaram um EP, que passou longe, bem longe, das atenções globais. Actuaram ao vivo mas, segundo agora relatam, mais não faziam que uma espécie de karaoke pop, cantando sobre pistas pré-gravadas. Quase se separararam... A tempo encontraram paz e confiança, daí nascendo um álbum que, mesmo dividindo opiniões, será um dos discos a inscrever na história pop de 2008. A chamada de atenção para Oracular Spectacular fez-se, naturalmente, ao som de Time To Pretend, um dos mais viciantes singles pop que os últimos meses viram nascer. Uma canção de melodismo irresistível, de cenografia narcotizada, sugerindo o que poderiam ser os Flaming Lips se apostassem mais no protagonismo das teclas ou uns Of Montreal com a casa mais arrumada. O restante alinhamento do álbum, felizmente, acentua a boa impressão causada pelo single. O disco é um verdadeiro caldeirão caleidoscópico de onde brotam canções que, mesmo atordoadas pelo prazer enebriado herdado do grande livro do psicadelismo, nunca perdem os alicerces da forma, mantendo firme a sua identidade pop. Curto, conciso, claro, um manifesto pop feito de prazer e belas canções.
MGMT
‘Oracular Spectacular’
Columbia / Sony BMG
4 / 5
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A cada álbum os The Kills mostram que são, sem dúvida, uma das mais entusiasmantes forças do rock’n’roll neste início de século. Há, em primeiro lugar, uma dose certa de mitologia roqueira na sua história, que nasce de um encontro num hotel entre um músico inglês e uma americana, ambos insatisfeitos com as respectivas carreiras (leia-se bandas), a segunda escutando o primeiro no andar de cima... E depois foi o que sabe... Mas mais que a mitologia, tem sido pela música que o grupo se tem afirmado. Os primeiros tempos levantaram inevitáveis comparações a outro “grupo ele e ela” – os White Stripes – pelas características minimalistas da sua abordagem à música. Mas rapidamente se tornou claro que a genética na raíz dos interesses de ambos os “duos” era diferente, os The Kills partilhando referências primordiais (Velvet Underground e o grande livro das linguagens punk), mas procurando, sem perder de vista a sua dieta de intenções e formas, enriquecer as suas canções com um também evidente gosto pela cultura da noite e da dança. De resto, a remistura de Tiga para The Good Ones (do álbum No Wow) é uma das mais convidativas bandas sonoras para serões dançantes que a década nos deu já. Midnight Boom nada parece querer mudar nos The Kills (que recentemente rejeitaram um acordo editorial com uma multinacional, firmes portanto tanto nos princípios musicais como nos filosóficos). Pelo contrário, mantém intactas as suas rotas e destinos, centrando atenções na escrita, gerando aquela que é, em três discos, a melhor (e mais versátil) colecção de canções da banda. Um disco directo, intenso, conciso. Feito de canções que, com a visceralidade punk intacta, não escondem um trabalho de busca por um sentido melodista que faz a trégua entre a tensão dominante. Irresistível.
The Kills
‘Midnight Boom’
Domino / Edel
4 / 5
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Depois de Classique #2, um primeiro single lançado em 2007, apenas notado pelo circuito mais atento ao que acontece na música de dança, a edição de Blind, já este ano, revelando o protagonismo vocal de Antony Hearty num contexto radicalmente distinto do que lhe conhecíamos, não só junto aos Johnsons, mas nas várias colaborações que tem assinado, colocou o nome Hercules & Love Affair no mapa dos fenómenos a inscrever na história de 2008. Hercules & Love Affair, o álbum, confirma agora que o grupo tem mais para nos dar que os singles já nos haviam revelado. E, com 46 minutos de argumentos, inscreve-se na pole position de uma nova vaga de projectos norte-americanos (entre os quais identificamos outros nomes como os Glass Candy ou Escort) que encontraram nas memórias do disco, o tal género “maldito” dos anos 70, motivos vários para fazer algumas das mais entusiasmantes propostas de música de dança que temos ouvido neste início de milénio. Antes de mais, Hercules & Love Affair é um colectivo nova iorquino que parte da criatividade e visões do DJ Andy Butler, tendo este convocado para seu redor as presenças (vocais e criativas) de Antony Hegarty e Nomi, assim como a colaboração (apenas vocal) de Kim Ann Foxman. Com “casa” na DFA, oferecem-nos em disco um sério conjunto de propostas que, genética e formalmente, assentam na memória de figuras-chave e nos melhores sons dos dias do disco, transportando depois essas heranças para um contexto que não foge a marcas claras de um presente que, sem a necessidade de usar a nostalgia por caução, claramente reclama esta música. Estão aqui as fundações clássicas que se escutaram num Patrick Cowley, mais evidente ainda a presença da memória da obra de um Arthur Russell. A estas marcas junta-se a assimilação da cultura house. E, claro, sinais de quem sabe em que tempo vive. Igualmente importante nesta equação é a presença de uma consciência pop que assegura que, além da pista de dança, estas canções podem morar no dia a dia de quem as ouve. O disco vive!
PS. Também são de Brooklyn…
Hercules & Love Affair
‘Hercules & Love Affair’
DFA/EMI
4 / 5
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Depois da promissora estreia com Dream On Girl (canção integrada na mais recente edição dos Novos Talentos FNAC) e de seguro segundo passo com o ainda mais surpreendente Hey Tom, não admira que o album de estreia de Rita Redshoes se tenha transformado num dos motivos de maior expectativa na música portuguesa de 2008. Antes de mais, assinale-se que não estamos perante uma erupção vinda do nada. Há aqui uma história com anos de vida em palco, experiências vividas, lições aprendidas. A algo decepcionante estreia em álbum dos Atomic Bees (muito aquém do que o grupo então mostrava em palco) é experiência que Rita Pereira (agora Redshoes) aqui não repete. A vivência musical na banda de David Fonseca trouxe maturidade e sentido de exigência, assim como o tempo cimentou traços de um “eu” que, agora, parece saber já quem é, o que quer, e para onde vai… Golden Era é uma das mais promissoras estreias que a música pop portuguesa nos deu nos últimos anos. Mostra, além de uma voz sedutora, um sentido de personalidade na escrita, de exigência nas formas (sobretudo visível nos arranjos) e enorme cuidado na interpretação. Feliz para primeiro passo, Golden Era é seguro cartão de visita que deixa claras certas marcas de indentidade, as mais visíveis sendo uma opção pela individualidade, pelo não seguididmo, pela escolha de um caminho que é ditado pelo gosto pela música. Mais interessante na composição que nas palavras, o alinhamento arranca bem, com pérolas maiores em Choose To Love, Once I Found You, Your Waltz e, sobretudo, Oh My Mr Blue. Perde algum viço a dois terços do alinhamento. Mas com saldo mais que positivo.
Rita Redshoes
‘Golden Age’
iPlay
3 / 5
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Em apenas cinco anos de actividade, de 1978 a 1983, os Bauhaus conseguiram a rara proeza de deixar uma das mais influentes obras da sua geração, marcando o seu tempo, ditando várias descendências. Apesar do normalizador rótulo “gótico”, a mais importante das suas contribuições para a história do pop/rock aponta antes a uma opção por recursos minimalistas ao serviço da escrita e interpretação, num curioso e vincado contraponto a composições de grande intensidade emocional. O que mais espanta nas dez canções que escutamos em Go Away White é, precisamente, e contra essa memória formal, uma certa (e inesperada) complexidade textural que serve de cenário aos temas mais contemplativos. Assim como, face à memória dos primeiros tempos, os arranjos para electricidade e bateria das canções menos pacatas revelam tudo menos a velha contenção minimalista. A voz de Peter Murphy continua a ser a marca mais característica de identidade, recriando contudo, apenas nos momentos mais sombrios, frestas de ligação ao que até aqui conhecíamos na música dos Bauhaus. O disco reflecte ainda, apesar do desejado entusiasmo de quem grava temas ao primeiro take, uma relativa falta de inspiração. Muito longe, portanto, da memória dos “velhos” Bauhaus. Há precisamente dez anos, o regresso dos Bauhaus fazia-se numa digressão que, salvo uma única “nova” versão de um velho tema dos Dead Can Dance, apostava essencialmente na interpretação, tão fiel como possível, dos temas que haviam feito a história “original” do grupo, de 1978 a 1983. A opção de não acrescentar nada ao que era quase perfeito valeu-lhes inteligente preservação de uma memória de referência. Go Away White confirma que nem tudo o que foi volta a ser e mostra como, dez anos depois de sábia decisão de evitar o regresso à composição, a edição de novo álbum de originais nada acrescenta à obra dos Bauhaus, apenas junta à discografia o seu pior disco de sempre. (*)
Bauhaus
‘Go Away White’
Cooking Vinyl / Edel
2 / 5
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Também esta semana:
The Teenagers, Young Knives, Vicious 5, Soft Cell (reedição), Elbow, Devotchka, Visage (reedição), Why?
Brevemente:
24 de Março: Moby, Guillemots, Beck (reedição), Foals, Elf Power, The Whip, Supergrass, American Music Club (ed. Nacional), The Gosspi (remisturas), Panic At The Disco, Supergrass
31 de Março: REM, Rádio Macau, Faces (reedições), The Cloud Room (ed nacional), Frank Black
7 de Abril: Rolling Stones, Balla, Clinic, Mexican Institute Of Sound, Triffids (reedições), James, Kooks, Mobius Band, Long Blondes, Black Kids, Elvis Costello (reedição), Cinematic Orchestra (live), Steve Reich, Roni Size, Was Not Was, Alabama 3
Abril: Portishead, Madonna, Breeders, B-52’s, The Presets, M83, Air (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Duran Duran (reedições – três primeiros álbuns numa caixa), Camané, Mesa, OMD (live), NIN, Doors (live), The La’s (reedição), Jamie Lidell, Forward Fussia!
Maio: Spiritualized, Animal Collective (EP), Tokio Police Club
(*) A crítica ao álbum dos Bauhaus é uma versão editada de um texto publicado no DN