segunda-feira, fevereiro 11, 2008

Que país? Que imagem? Que imagens?


O que é isso de construir e difundir os valores específicos de um país? Quem o faz? Com que meios? Mobilizando que linguagens e significações? O texto que se segue, motivado por uma recente campanha oficial de promoção de Portugal, foi publicado no Diário de Notícias (10 Fev.) com o título 'Como se promove a "marca" de um país?' >>>

Devo começar por confessar o pecado do meu olhar. O pior de todos: a indiferença. Quando, em finais de 2007, comecei a ver alguns edifícios de Lisboa engalanados com fotografias gigantescas de figuras públicas portuguesas (Mariza, José Mourinho, Joana Vas-concelos, Cristiano Ronaldo, Vanessa Fernandes, etc.), compre-endi que se tratava de uma campanha oficial para promover a “imagem” internacional de Portugal, mas não liguei muito. Pareceu-me tudo tão banal (rostos sobrepostos a paisagens “líricas”?) que não me preocupei com o assunto. Mesmo simpatizando com a boa vontade dos fotografados, não me pareceu que o nosso peso, influência ou prestígio, ainda que num plano meramente turístico, estivessem a viver um grande momento...
Era uma campanha organizada pelo Ministério da Economia e da Inovação e o Turismo de Portugal. Vim depois a saber que as fotografias são do britânico Nick Knight (aliás, os próprios cartazes estavam claramente assinados), autor de alguns trabalhos que muito admiro, por exemplo em revistas de moda como a Vogue, ou ainda na área musical, para nomes como David Bowie, Kylie Minogue ou Björk (são dele as fantásticas capas dos álbuns Homogenic [aqui reproduzida] e Volta, respectivamente de 1997 e 2007). Enfim, digamos que Nick Knight não estava nos seus melhores dias...
Seja como for, a questão da “qualidade” das fotografias parece-me não esgotar o as-sunto. Nem mesmo o facto de esta ser uma campanha do Estado português, e para promover Portugal, para a qual foi convidado um criador estrangeiro. A esse propósito, vim ainda a perceber que o facto tem suscitado a compreensível e muito legítima indignação de profissionais do meio fotográfico.
Mas, insisto, o fundo do problema parece-me ser outro. E tem a ver com a miséria intelectual da nossa classe política, dentro e fora do Governo. Generalizo? Sim, claro, porque há profissionais da política que, em todos os partidos, se esforçam por superar as rotinas parlamentares ou da “disciplina” do voto. Acontece, porém, que estamos a assistir ao triunfo de uma mentalidade (aliás, mais do que isso: uma ideologia) administrativa que se esgota num patético entendimento dos valores mais comuns do marketing.
Na prática, isto é, no espaço quotidiano do cidadão, isso traduz-se em campanhas como esta, anedoticamente chamada “Portugal – Europe’s West Coast”. O pomposo texto oficial de apresentação da campanha começa logo por esta tristíssima afirmação: “Cuidar da reputação do nosso país é um imperativo económico”. É um discurso que não consegue ver o mundo para além do maniqueísmo quantitativo da economia mais académica, ignorando que pode existir uma cultura viva e inventiva para a própria gestão económica. É ainda um discurso que vive das aparências (a muito pequeno-burguesa “reputação”), menosprezando o simples facto de não poder haver imagem forte de um país se não se começarem por criar, internamente, mais e melhores condições para os seus fotógrafos, cineastas, pintores, encenadores... Enfim, toda essa gente perigosa que não está fechada em gabinetes e que gosta de pensar em coisas mais interessantes do que os dramas da nossa bendita reputação.