1 de Fevereiro de 1908. Lisboa, 17 horas... Foi há cem anos. A família real regressava de Vila Viçosa. De comboio até ao Barreiro e, depois, de vapor até ao Terreiro do Paço. Vinham de viagem o Rei, a rainha D. Amélia e D. Luis Filipe, o príncipe herdeiro. A esperá-los, no cais, estava o infante D. Manuel. Por vontade do próprio D. Carlos, a viagem daí até ao Palácio das Necessidades seria feita de landau (carro aberto, puxado a cavalo) e não em viatura fechada. Poucos metros de pois de iniciado o percurso, um homem de barbas sai da multidão, atrás do landau real. É Manuel Buíça, que tira uma carabina do capote, aponta e acerta em D. Carlos, que imediatamente tomba morto. Entretanto um outro homem, Alfredo Costa, sai das arcadas do Terreiro do Paço, sobe o estribo da carruagem e dispara sobre o pescoço do Rei, fracturando-lhe a coluna vertebral. D. Luis Filipe levanta-se, puxa do seu revólver, mas é atingido no peito, sobre o esterno. Relatos contam que o príncipe terá disparado sobre Costa, sendo novamente atingido, desta vez por Buíça, a bala rasgando-lhe a face e saindo pela nuca. D. Manuel, tentando ajudar o irmão, é ferido num braço. O cocheiro é atingido na mão, mas põe os cavalos em movimento, em ritmo rápido rumo ao Arsenal da Marinha. Buíça tenta fugir, mas é morto à espada. Costa é agarrado, arrastado e alvejado. Ambos morrem no local, assim como um terceiro civil, inocente. D. Luis Filipe ainda chega com vida à sala de curativos do Arsenal da Marinha, mas perde a vida logo depois. Acto de terrorismo, o regicídio, mesmo sem o aval de muitos partidários da república, foi fatal para a monarquia portuguesa, que sobreviveria por apenas mais dois anos, sob o trono do jovem infante D. Manuel (que reina como D. Manuel II) que, ao invés do irmão assassinado, não estava preparado para as funções de estado que foi forçado a desempenhar... O centenário do regicídio, mais que um dia parara dar voz às causas monárquica e republicana, serve para revisitar a uma distância segura, portanto, racional, os acontecimentos desse 1 de Fevereiro de 1908. Às livrarias chegaram, nas últimas semanas, vários livros sobre os eventos ou por ele inspirados. Vejamos dois casos:
Mataram o Rei!, de Joaquim Vieira e Reto Monico (livro de capa dura publicado pela Pedra da Lua) é uma antologia, essencialmente visual, de páginas publicadas, na época, na imprensa estrangeira, documentando a forma como o regicídio foi acompanhado pelo mundo fora nos dias imediatos ao atentado. O livro abre com uma sóbria contextualização política dos eventos (em Portugal e na sua relação com uma Europa igualmente abalada por outros assassinatos políticos), descrevendo depois com o rigor possível os acontecimentos da tarde de 1 de Fevereiro de 1908, dos funerais de estado que se seguiram e das consequências desse dia. O olhar pela imprensa estrangeira não se esgota na exposição das páginas, sendo recordados fragmentos de textos da época.
A República Nunca Existiu é um curioso exercício de história alternativa, um género pouco frequente na literatura portuguesa. O livro, editado pela Saída de Emergência, é uma colecção de contos que partem, todos, do princípio que o regicídio não aconteceu ou, pelos menos, não foi plenamente consumado. Daí partem visões, umas curiosas, outras nem por isso, em muitos sendo interessante a forma como a história real (e suas personagens, de Salazar a Cunhal) acabam recontextualizadas nestas histórias alternativas. João Aguiar ensaia um modelo narrativo linear que faz de D. Luis Filipe o Rei Luis II que, morrendo sem descendência, entrega a coroa ao tronco miguelista, hoje representado por D. Duarte de Bragança. O mais interessante destes contos é
Ao Serviço de Sua Majestade, a história de uma divisão
X-Files à portuguesa, fruto do interesse pelo oculto de uma certa D. Maria III...