Britney Spears é, hoje em dia, uma das encarnações mais contraditórias do conceito dominante de sucesso. Mas, afinal de contas, o que é o sucesso? — o texto que se segue foi publicado no Diário de Notícias (31 Dez. 2007), com o título 'Britney Spears e a difícil arte de ser adulto' >>> 
Britney Spears tem um novo e interessantíssimo teledisco, da canção
Piece of Me, se-gundo single do seu mais recente álbum,
Blackout (lan-çado em finais do mês de Outubro). Dirigido por Wayne Isham, o teledisco [imagem em cima] possui uma men-sagem de provocatória ambi-guidade: a cantora apresenta-se como ícone de um visual eminentemente adolescente e mediático; ao mesmo tempo, em vários momentos, surge assediada por um grupo de paparazzi, representados como abutres das imagens dos outros (“vocês querem um pedaço de mim”, diz a letra da canção).
Se outras razões não houvesse para prestar atenção a
Piece of Me, bastaria a sua performance na Internet. Assim, o teledisco foi estreado nos EUA, a 14 de Dezembro, num programa da cadeia de televisão ABC. No mesmo dia foi disponibilizado no site oficial de
Britney Spears, na MTV e no YouTube. De então para cá, só no YouTube, foi visto mais de 5 milhões de vezes (qualquer coisa como 350 mil visitas diárias): dito de maneira muito simples, neste final de 2007, Piece of Me é, em termos planetários, um dos mais fortes fenómenos mediáticos.
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Afinal de contas, de que falamos quando falamos de Britney Spears? Da diva pop? Sim, sem dúvida, tanto mais que ela é uma das que mais e melhor soube encarnar uma estética de dança enraizada em heranças várias da década de 80 e, obviamente, na refe-rência tutelar de Madonna. Mas também de uma das figu-ras “condenadas” a encarnar um valor dominante nas nossas sociedades. A saber: o sucesso e, mais do que isso, o sucesso enquanto jovem. Importa lembrar que Britney Spears nasceu em 1981, tendo completado 26 anos no dia 2 de Dezembro (o seu primeiro álbum,
...Baby One More Time, foi lançado nos primeiros meses de 1999, portanto ainda antes de completar 18 anos).
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Se nos lembrarmos dos muitos problemas da vida privada de Britney Spears (incluindo os dramas afectivos e legais relacionados com a custódia dos seus dois filhos), sobretudo se não esquecermos como tais problemas têm sido sistema-ticamente explorados pela imprensa mais fútil e agressiva, podemos reconhecer nela um símbolo de uma questão muito concreta: a de saber como praticar a difícil arte de ser adulto(a) num mundo que, todos os dias, da publicidade à televisão, promove um conceito ligeiro e irresponsável do que significa “ser jovem”. Aliás, há cerca de duas semanas, foi acrescentado à imagem pública de Britney Spears um perturbante dado familiar, ao ser anunciada a gravidez da sua irmã Jamie Lynn Spears, de 16 anos de idade, vedeta de uma série infantil (
Zoey 101) da televisão americana.
São factos, personagens e símbolos que, muito para além dos dramas (pouco) privados de Britney Spears, nos confrontam com um estado de coisas em que a juventude é todos os dias tratada e encenada como uma espécie de capítulo de euforia “obrigatória”, sem outros horizontes e crenças que não sejam os êxtases superficiais do sucesso. Não admira que tão poucas vezes se fale da música de Britney Spears (mesmo quando é brilhante). Dir-se-ia que estamos sempre dispostos a aceitar a vulgaridade mediática. Com um sorriso cínico e a cobardia quotidiana da indiferença.