terça-feira, janeiro 15, 2008

EUA, 1960

A herança iconográfica da família Kennedy continua a ser (re)descoberta — agora, foi publicado um álbum com fotos de Richard Avedon. O texto que se segue saíu no Diário de Notícias (13 Jan.) com o título 'A família Kennedy ou o retorno à utopia' >>>

A herança de um fotógrafo como Richard Avedon (1923-2004) supera toda e qualquer classificação temática ou estilística. O seu génio exprimiu-se do retrato à moda, da abstracção do ensaio ao concreto da reportagem, criando todo um capítulo autónomo das imagens e do imaginário do século XX. Podemos mesmo dizer as suas fotografias já há muito entraram nesse imaginário, superando o próprio efeito de assinatura. E bastará pensar em algumas das suas imagens mais emblemáticas. Por exemplo, o grande plano de Audrey Hepburn durante a rodagem de Funny Face (1957), a figura hierática de Ronald Fischer com o tronco nu coberto pelas suas abelhas (1981) ou ainda a pose deitada de Nastassja Kinski enrolada numa serpente (1981), célebre capa desdobrável da revista francesa Photo. De facto, para muita gente, mesmo desconhecendo o nome do fotógrafo, essas são refe-rências visuais muito fortes e, por assim dizer, naturais.
Entretanto, no final de 2007, o espólio de Avedon alargou-se. Assim, algu-mas dezenas de fotografias que per-maneciam virtualmente desconhecidas foram finalmente reveladas (em duplo sentido, apetece dizer) através de um álbum que já surgiu nas lojas portuguesas: chama-se The Kennedys (ed. Thames & Hudson) e reúne imagens de John Kennedy (1917-1963), obtidas poucas semanas antes do seu investimento como Presidente dos EUA, a 20 de Janeiro de 1961.
Na origem das fotos está uma encomenda da Harper’s Bazaar, revista de cuja história e papel inovador no campo da moda o nome de Avedon é absolutamente indissociável. No começo da década de 60, ele recebeu uma encomenda de nove ensaios fotográficos (título: “Observations”) que deveriam iniciar-se, precisamente, com John Kennedy. Assim aconteceu e, em finais de 1960, Avedon fotografou John, Jackie Kennedy e os seus dois filhos: Caroline (então com 3 anos) e John Jr. (nascido cerca de um mês antes). Na edição de Fevereiro de 1961, a Harper’s Bazaar publicou seis das fotografias. O resultado global do trabalho, mais de duas centenas de imagens, seria legado por Avedon ao Instituto Smithsonian. O livro agora publicado, coordenado por Shannon Thomas Perich, do departamento de Informação e Tecnologia daquela instituição, apresenta cerca de oitenta dessas imagens.
O menos que se pode dizer de The Kennedys é que se trata de um livro que nos repõe face ao fascínio mitológico do Presidente assassinado a 22 de Novembro de 1963, em Dallas. Se os Kennedy permanecem como uma referência em que história e lenda parecem coexistir numa harmonia intocável não é porque ignoremos a dimensão trágica do seu destino, muito menos as dramáticas convulsões que marcam a história da família (recorde-se que John Jr., aqui um bebé de colo, viria falecer em 1999, aos 38 anos de idade). Acontece que, de facto, as imagens falam tanto da história vivida como da história imaginada: o que contemplamos aqui é, de uma só vez, o prólogo de todas as tragédias e o esplendor da utopia. A foto de Caroline agarrada à mão de pai contém uma promessa de eternidade.