Em 1999 o soberbo 69 Love Songs roubou Stephin Merritt ao estatuto de segredo mais bem guardado da música pop. Com carreira discográfica que remontava já a 1990, ignorado anos a fio, e já com pungente discografia editada, o seu charme melodista, a sua invulgar versatilidade estilística, a inconfundível voz de barítono, a rara tranquilidade que sugere e um requintadíssimo sentido de humor viram-se então sob as atenções de tudo e todos. O disco em questão, um triplo álbum, ensaiando as mais variadas formas possíveis de abordagem a uma das mais antigas tradições da música (a canção de amor) era montra clara de um espírito avesso a rótulos redutores. Ou seja, quem conhece a obra de Stephin Merritt, nas suas mais variadas frentes (e bandas) não estranhará, portanto que, a reactivar os seus Magnetic Fields para um nono álbum de originais, o faça segundo uma lógica que peça, tanto a ele, como criador, como a nós, seus espectadores, algo completamente diferente. Distorção em clima pop... Pois seja! Na verdade há indícios do que se escuta no novo Magnetic Fields, não apenas em instantes de 69 Love Songs como, em The New Despair (EP de 1997 do projecto Gothic Archies, a sua aventura de rock gótico bubblegum) e no primeiro disco que registou através dos The 6ths. Todavia, o que eram ideias ocasionais agora surgem sob a forma de conceito transversal ao alinhamento do disco. Assim, e tal como sucedera no anterior i (de 2004) evitam-se as electrónicas, até então frequentes nos Magnetic Fields. Essa opção, por si só, define uma nova proposta de trabalho. Ou seja, também em Distortion um conceito “instrumental” é tomado como chave para a identidade das canções. O próprio Stephin Merritt já admitiu que o objectivo de Distortion era o de fazer um disco quer soasse mais aos The Jesus & Mary Chain que os próprios... Porém, mais que juntar sensibilidade pop a uma valente dose de feedback (nas guitarras, mas não só), Distortion revela acima de tudo mais uma prova da segura escrita de canções (onde não faltam visões mordazes da vida quotidiana), cedendo perto de metade à voz luminosa de Shirley Simms, verdadeiro contraponto à postura grave de Merritt. (*)
The Magnetic Fields
“Distortion”
Nonesuch / Warner
4 / 5
Para ouvir: MySpace
Foi originalmente editado, mas só agora chegou a estas bandas, o álbum Closer To Paradise, o segundo do quarteto canadiano que responde pelo nome do seu vocalista: Patrick Watson. Antes de mais lembre-se que este foi o álbum que, nos prémios Polaris, derrotou favoritos como os Arcade Fire ou Feist. O álbum dividiu opiniões quando, em finais de 2007, foi lançado pelo mundo fora, uns criticando a sua excessiva ligação a referências óbvias (Jeff Buckley, Radiohead, alguns falando mesmo nos Coldplay), outros optando antes por destacar o requinte de canções com sabor a sonho, lembrando frequentemente a densidade cénica de uns Pink Floyd. Na verdade, nem tanto ao mar nem tanto à terra... Closer To Paradise é, antes, um disco em tudo identificável entre as linhas mestras de uma cultura indie canadiana recente que não poupa esforços na hora de pensar os arranjos que podem transformar uma simples canção num acontecimento de dimensão cinematográfica ou mesmo épica. Patrick Watson (que ouvimos em 2007 no álbum da Cinematic Orchestra) não esconde que tem Jeff Buckley como referência maior como cantor (os mimetismos são evidentes). E a sua música revela aqui a ambição de quem, ao definir referências, avança com nomes como os David Lynch, Eric Satie ou Claude Debussy. As canções de Closer To Paradise são pequenas bandas sonoras para sonhos sofisticados e requintados. Complexas nos arranjos, mas consideravelmente coesas pela segurança dos músicos e solidez da produção. Ou seja, uma música sobretudo recomendada para clientes habituais da recente oferta canadiana...
Patrick Watson
“Closer To Paradise”
Street Secret Recotds / Edel
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Depois do marcado nacional ter literalmente ignorado Dressed Up For Letdown, o álbum de canções que Richard Swift editou em 2007, o ano abre ao som de algo completamente diferente para este músico que muitos por aqui descobrimos em inícios de 2006, com a dupla oferta The Novelist / Walking Without Effort. O disco de Richard Swift que acaba de chegar aos escaparates não parte da sua actividade como cantautor lo-fi (muitas vezes comparado a Rufus Wainwright), mas revela uma outra faceta sua: o cinema. Instruments Of Science And Technology é uma amostra do trabalho de um projecto que desenvolve em paralelo há já algum tempo e representa uma colecção de composições gravadas para pequenos filmes. Essencialmente instrumental (com espaço apenas para uma canção, de viciante pop electrónica, que todavia se revela o melhor momento de todo o álbum), esta é uma música que abre outras frestas no universo de um músico que, disco após disco, se confirma como uma verdadeira fonte de surpresas. Brian Eno, os Neu! ou mesmo os Can são desta vez as referências das quais parte Richard Swift para a construção de pequenos mundos de som nos quais, no fim, acabamos por descobrir métodos e ferramentas afinal até próximos das lógicas lo-fi que já conhecíamos dos seus discos de canções. No espaço MySpace do artista expressamente dedicado a este álbum apresenta-se uma rebuscada teoria físico-química que tenta justificar o que aqui se ouve. No final do texto, todavia, com o sentido de humor que se adivinhava no músico, chega-se à conclusão que o melhor é sentarmo-nos, fechar os olhos e deixar que esta música sugira o que nela quisermos encontrar. Científico, pois...
Richard Swift
“Intruments Of Science And Technology”
Secretly Canadian / Flur
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Desde 1999 habituámo-nos a encontrar nos Enon um palco para o inesperado. Sem a eloquência de uns Fiery Furnaces, mas seguindo por vezes atalhos semelhantes, têm procurado chegar à canção pop por outras portas e travessas. Grass Geysers... Carbon Clouds, o seu quinto álbum, é mais um exemplo dessa demanda, retomando, mais até que em experiências recentes, mecanismos e modelos que lhes deram em 2002 o seu melhor momento, em High Society. Apesar de residentes em Filadélfia, os Enon são conotados com a nova geração de bandas que faz hoje de Nova Iorque a mais entusiasmante capital de acontecimentos pop/rock do planeta. As 12 canções que encontramos aqui traduzem esse sentido de desafio, respeitando, antes de mais, a lógica do inesperado que sempre conduziu a banda. Samples, linhas melódicas em moogs e o fuzz de guitarras pouco amigas da poupança de energia cruzam-se em canções que, ao logo do alinhamento, alternam ensaios pop com fugas para devaneios punk. É contudo nos instantes que a pop comanda as operações que descobrimos o melhor de um disco a dois tempos. Grass Geysers... Carbon Clouds caminha naquela ténue linha que separa a ordem do caos, o ecletismo do excesso, a ideia do engano. O saldo final é positivo, mostrando a banda sinais de maioridade ao evitar, muitas vezes quase no limite, o deslaçar de algumas ideias. Sabina e Pigeneration são exemplos de um espaço pop que já dominaram. A seguirem esse caminho, poderão dar-nos melhores surpresas no próximo encontro.
Enon
“Grass Geysers... Carbon Clouds”
Touch and Go! / Sabotage
3 / 5
Para ouvir: MySpace
Aos 32 anos, o norte-americano Tom Brosseau afirma-se como um herdeiro vivo das mais remotas tradições folk que escutou quando, nos dias de infância, morava no Dakota do Norte. Essas paragens foram inclusivamente temática central do disco que editou há dois anos, centrado nas memórias das cheias que, em 1997, devastaram a região de Grand Forks, onde nasceu. Cavalier, que recentemente chegou até nós, é um álbum tematicamente mais variado, se bem que fechado numa montra “antiga” de assuntos habituais na canção folk. O músico, que hoje vive em Los Angeles e se tornou num dos rostos e vozes do Cafe Largo, destaca-se da geração americana actual que procura partir de velhas referências para inventar uma nova música americana... Em Cavalier Brosseau mostra-se fiel à simplicidade, para voz e guitarra acústica, das primeiras gravações de Bob Dylan, todavia sem a sua verve poética. A voz, frágil, por vezes aproxima-nos da memória de Nick Drake (o que é notório em Amory, canção que abre o disco e que é um dos raros destes temas que nos ficam na memória). Contudo, e salvo em pontuais instantes como acontece em Commited To Memory (onde discretamente pisca o olho à memória de Woodue Guthrie), o álbum adormece numa cadência de canções indistintas entre si, doseando melancolia e nostalgia, mas sem conseguir transportar-nos para um maior patamar de envolvimento. Nota final para a discreta, quase invisível, presença de John Parish na mesa da produção. Terá adormecido ao som de Brosseau?
Tom Brosseau
“Cavalier”
Fat Cat / Edel
2 / 5
Para ouvir: MySpace
Brevemente:
21 de Janeiro: Cat Power, Eels (best of), Damien Rice, Happy Mondays, Vic Chesnutt, British Sea Power, We Are Scientists, Justin Timberlake (DVD)
28 de Janeiro: Sérgio Godinho (ao vivo), These New Puritans, Novembro, Sam The Kid (repackage), Sons & Daughters, Cage The Elephant, Wendy James, KD Lang, Susumu Yokota
4 de Fevereiro: The Kills, Hot Chip, Triffids (reedições), Morcheeba, Joni Mitchell (DVD), Cass McCombs
Fevereiro: Vampire Weekend, Michael Jackson (ed 25 anos Thriller), Rita Redshoes, Boy Kill Boy, The B-52’s, Morrissey (best of), Gary Numan (reedição), Buzzcocks, Bob Mould, Durutti Column (reedição), Goldfrapp, Soft Cell (reedição), UHF (reedição), Petrus Castrus (reedição), Quinteto Académico + 2 (reedição), Telectu (reedição), Quarteto 1111 (reedição), Mind da Gap (best of), Duran Duran (reedições), ABC, Moby, Sigur Rós, Sebastien Tellier
Março: Bauhaus, R.E.M., Breeders, Elbow, Supergrass, Billy Bragg, Faces (reedições), Nick Cave & The Bad Seeds, Van Morrisson, Devotchka, Daft Punk, Young Knives, Zombies (reedição), John Tavener, Philip Glass (BSO), The Grid, The Teenagers, Super Nada
Ainda sem data: Spiritualized, Sufjan Stevens, U2, Raconteurs, Martha Wainwright, Madonna
Estas datas são provisórias e podem ser alteradas
(*) Versão editada de texto publicado no suplemento IN, do Diário de Notícias