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O filme, além da sofisticação dos seus meios, é competente e eficaz, mas possui uma dimensão que importa valorizar para além da sua performance espectacular. Curiosamente, tem a ver com os efeitos especiais, mas com uma muito específica aplicação dos seus poderes figurativos. Assim, Eu Sou a Lenda "fabrica" uma assombrada e assombrosa Nova Iorque, feita de ruínas gigantescas, milhares de carros abandonados e cenários urbanos invadidos por ervas daninhas — de facto, a cidade é a primeira e envolvente personagem da acção. É um exemplo feliz de como o efeito
especial pode ser entendido, não como a mera ostentação de uma qualquer proeza visual (ou sonora), antes como um instrumento de trabalho que permite servir os pressupostos dramáticos e o projecto dramatúrgico de um filme. Afinal de contas, o genial Dead Ringers/Irmãos Inseparáveis (1988), de David Cronenberg, era também uma fabulosa aplicação dos efeitos especiais — a sua proeza consistia em colocar Jeremy Irons a contracenar com... Jeremy Irons.
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