terça-feira, dezembro 11, 2007

Discos da semana, 10 de Dezembro

Tudo nasceu de uma ideia ainda nos dias de Poses. Em finais de 2001, a viver um tempo menos feliz na sua vida pessoal, Rufus Wainwright encontrou, em ocasional passeio entre discotecas de Nova Iorque, um CD com a gravação de uma noite histórica vivida por Judy Garland no Carnegie Hall, em 1961. Comprou o disco, escutou-o vezes sem conta, e deu por si a cantar todas as canções... Nelas redescobriu uma das características que mais admira nos americanos: a esperança que sempre faz brotar a luz mesmo nos momentos de pior escuridão. Cinco anos depois, com um cartaz replicando em tudo esse mesmo concerto, Rufus subia ao mesmo palco para, canção a canção, recriar aquele momento. Foi em Junho de 2006, repetindo a experiência, já este ano, em Londres, Paris e Los Angeles. E ponto final, justificando que, fora do seu repertório habitual (apesar de algumas destas canções terem entretanto conquistado merecido lugar nos seus concertos regulares), este era um projecto com vida própria para um momento concreto. E que, com as presentes edições em CD e DVD fica registado, para mais tarde recordar. Como a soberba gravação agora editada em disco revela a quem não esteve na plateia, o concerto foi musicalmente competentíssimo. Sob humilde autocrítica, Rufus Wainwright disse desde o início deste projecto que não tem voz para cantar jazz e outras músicas nas suas cercanias. Todavia, mais que jazz, esta é uma celebração da memória do musical. Evoca a herança dos palcos da Broadway, do West End londrino e do cinema de Hollywood. Rogers & Hammerstein, Noel Coward ou George Gershwin foram alguns dos autores convocados a um desfile de canções, entre as quais clássicos como Puttin On The Ritz, Zing Went The Strings Of My Heart, A Foggy Day In London Town, Come Rain or Come Shine ou o inevitável Over The Rainbow. O CD que guarda agora a memória da actuação no Carnegie Hall regista a integral dos acontecimentos naquela noite. O retrato é de fidelidade tal que não apaga a gargalhada ocasional, a piada inesperada ou mesmo um engano. No fim fica a certeza: se em Rufus Wainwright conhecíamos já um dos melhores autores da sua geração, aqui confirma-se também o espantoso intérprete que é. A estrela liberta-se.
Rufus Wainwright
“Rufus Does Judy At Carnegie Hall”

Geffen / Universal
5/5
Para ouvir: MySpace


Mais uns canadianos... Sim, e com as “marcas” de estilo habituais na coisa. Contudo, ao terceiro álbum os Sunset Rubdown mostram ser mais que apenas acólitos de uma manifestação já em marcha. Inicialmente um projecto a solo de Spencer Krug (também nos Wolf Parade, Swan Lake e Frog Eyes), a ideia evoluiu e tem hoje corpo de banda. E Random Spirit Over parece ter em si todos os ingredientes para encantar que não encontra já entusiasmo suficiente nuns Arcade Fire. Na base da genética deste colectivo com sede em Montreal há traços comuns, sublinhando talvez a costela Bowiesca de finais de 70, vincando depois uma personalidade distinta ao focar um claro prazer pela exploração de um sentido teatral da pop de finais de 60, afirmando ainda afinidades recentes com o tom de aparente caos ordenado de uns Flaming Lips (etapa Soft Bulletin) e, inevitavelmente, uma coexistência de urbanidade e desejo de fuga para os grandes espaços e emoções que tem nos Neutral Milk Hotel uma cartilha de referências. O álbum é um vício que se descobre em repeat. Estranha-se no primeiro contacto, a familiaridade permitindo-nos depois descobrir conforto no regresso, certo sendo que a surpresa se mantém em sucessivas audições, tantos os elementos em jogo. O disco é denso, tenso, mas plenamente recompensador. Cruza um ecletismo lo-fi de quarto de dormir com sonhos quase operáticos ao jeito do art rock de 70. As melodias, aparentemente escondidas, brotam de surpresa e arrebatam o ouvinte. As letras, invulgares, falam de personagens pouco habituais e histórias longe de banais. Quando Spencer Krug depurar um pouco o excesso de informação que aqui convoca, fará “o” disco perfeito que claramente procura atingir. Este álbum mostra-nos que está quase lá... E no caminho certo.
Sunset Rubdown
“Random Spirit Over”
Jagjagwar / Sabotage
4/5
Para saber mais: site oficial


E agora um salto a Itália. Sim, uma rara oportunidade para descobrir, com a cortesia Sup Pop, o que de mais interessante acontece hoje nos cenários indie em terras das quais, discograficamente, nos costumam chegar apenas os sub-produtos Pausinis, Zuccheros e afins... Chamam-se Jennifer Gentle, vêm de Pádua e, depois de três álbuns editados em pequenas independentes locais, viram-se no catálogo da Sub Pop, o que lhes permitiu a inevitável porta para outros voos, entre os quais uma passagem como banda de suporte por concertos dos Sonic Youth. Com sete anos de vida, constituída por quatro músicos ainda na casa dos vintes, os Jennifer Gentle são mais um caso de clara admiração pelos Pink Floyd, fase Syd Barrett. The Midnight Room, o seu quinto álbum, não esconde esta carga genética, revisitando temas como Mercury’s Blood ou Como Closer ambientes que lembram o psicadelismo, de tempero pastoral, de Piper At The Gates of Dawn. O som do álbum, contudo, soma outros elementos à Bíblia floydiana. As canções, de melodismo clássico, são encaradas com um sentido cenográfico, que frequentemente lembram o tom sombrio, misterioso, mas cativante, da música de Danny Elfman (no cinema de Tim Burton). A banda cita o cinema de Fellini também como influência. E entre pianos desafinados, instrumentos bizarros, uma voz de relativa fragilidade (que lembra por vezes a de Edward Ka-Spel, dos Legendary Pink Dots) brota como fresta na escuridão, reforçando a plasticidade sugestiva de uma música invulgarmente cinematográfica. A descobrir!
Jennifer Gentle
“The Midnight Room”

Sub Pop / Popstock
3/5
Para ouvir: MySpace


O segundo álbum ao vivo dos Daft Punk, seis anos depois do (quase) inconsequente Alive 1997 corre seriamente o risco de ser pouco mais que um recuerdo para quem pode ver o espantoso concerto que o duo levou ao Sudoeste em 2006. Espectáculo multimédia, o concerto vê-se aqui despido de metade dos seus elementos: as imagens. Banda sonora, portanto, de um evento que não dispensa o olhar, Alive 2007 é magra resposta a quem lembra o que viu (e ouviu) e incompleto retrato a quem lá não esteve. Musicalmente, é certo, o espectáculo recorria a uma série de ideias interessantes, sobretudo os jogos de cruzamento de canções dentro de canções, umas vezes apenas na forma de citações, outras em verdadeiras operações de “fusão”. No topo da sua pirâmide, os dois músicos tinham à sua frente uma série de comandos que lhes permitiam lançar loops, samples, manipular sons, disparar sequências, conferindo a uma série de acontecimentos digitais a característica “ao vivo” que justificava o encontro da plateia com quem estava em palco. Porém, em disco, estas colagens e cruzamentos pouco mais parecem que um mega-mix competente, com aplausos. Ainda por cima, falta ao disco o encore, no qual se junta á música dos Daft Punk o irresistível Music Sounds Better With You, do projecto paralelo Stardust. Mais valia um DVD...
Daft Punk
“Alive 2007”
Virgin / EMI Music Portugal
2/5
Para ouvir: MySpace


Não é invulgar vermos Trent Reznor a lançar álbuns de remisturas em jeito de complemento directo aos discos de originais que apresenta com os seus Nine Inch Nails. Menos habitual é vermos um sentido de coerência transversal a estes discos. Curiso, então o facto de reconhecermos no apenas mediano Year Zero o ponto de partida para um inesperadamente interessante lote de remisturas. Uma das forças mais evidentes deste projecto nasce com as escolhas dos colaboradores, da sua enorme disparidade de opções e obsessões brotando um conjunto que ganha pela versatilidade e abertura de caminhos a uma música que, em vez de afunilada numa rota, acaba, antes, disposta à metamorfose, qualquer que sejam os novos ingredientes que se lhe juntem, ou a dose de elementos que acabam retirados face à mistura original. O leque de nomes convocados é de facto invulgarmente variado, do pouco surpreendente Saul Williams à menos esperada presença do Kronos Quartet, passando por propostas interessantes como os Ladytron, The Faint, a dupla Stephen Morris e Gillian Gilbert (dos New Order, também conhecidos como The Other Two), Fennesz ou Bill Laswell. Y34RZ3R0R3M1X3D (ler Year Zero Remixed) mostra um lote interessante de versões alternativas para deleite dos admiradores das electrónicas mais sombrias, nestas abordagens residindo soluções por vezes mais interessantes que as que, ultimamente, Reznor guarda nas suas leituras “de banda”.
Nine Inch Nails
“Y34RZ3R0R3M1X3D”
Interscope / Universal
3/5
Para ouvir: MySpace

Também esta semana: Muse (live), Pink Floyd (caixa), Happy Mondays (reedições), Sylvain Chauveau, John Lennon (reedição), Caetano Veloso (DVD), Pylon (reedição), Woman In Panic

Brevemente:
Dezembro: Johnny Greenwood, Radiohead, Montag
Janeiro: Magnetic Fields, British Sea Power, Sons & Daughters, Sérgio Godinho
PS. A crítica a Rufus Wanwright é versão editada de texto já publicado na revista NS