domingo, novembro 18, 2007

Scorsese made in America

Ontem, dia 17 de Novembro, Martin Scorsese [foto: rodagem de The Departed, com o director de fotografia Michael Ballhaus] festejou o seu 65º aniversário — este texto, publicado no Diário de Notícias, com o título 'O grande cineasta de uma América utópica', serviu para assinalar a data.

O realizador americano Martin Scorsese celebra hoje o seu 65º aniversário. O que é que se diz quando um mestre do cinema completa tão respeitável idade? Que atravessa a sua fase de plena maturidade? Talvez... Mas os clichés não nos ajudam a descrever tão fascinante figura. Digamos, para simplificar, que a data festiva ocorre poucos meses passados sobre a atribuição do seu muito esperado primeiro Óscar, pela realização de The Departed/Entre Inimigos (eleito também melhor filme de 2006).
De facto, foram precisas seis nomeações para que Scorsese tivesse a confirmação “oficial” da excelência criativa que, em todo o caso, há muito a comunidade de Hollywood lhe reconhecia. Fora já nomeado pela realização de Touro Enraivecido (1980), A Última Tentação de Cristo (1988), Tudo Bons Rapazes (1990), Gangs de Nova Iorque (2003) e O Aviador (2004), tendo ainda partilhado com Jay Cocks uma nomeação na categoria de melhor argumento adaptado, com A Idade da Inocência (1993). Seja como for, pelo menos desde os tempos heróicos de Mean Streets (1973), Scorsese desempenhou um papel fulcral na afirmação de uma “nova vaga” americana, a que também pertenceram Francis Ford Coppola, Brian De Palma ou Steven Spielberg, por um lado seduzida pela herança dos grandes autores clássicos (Ford, Hitchcock, etc.), por outro lado empenhada numa multifacetada atitude experimentalista.
Curiosamente, com o passar dos anos, podemos compreender que, no caso de Scorsese, essa atitude sempre passou por uma relação sistemática com a música, ou melhor, com as suas qualidades dramáticas. No passado mês de Maio, na “Lição de cinema” promovida pelo Festival de Cannes, ele afirmou mesmo que, desde o tempo de Mean Streets, há cenas dos seus filmes que não se limitaram a integrar determinadas canções rock mas que, de facto, foram concebidas a partir dos ritmos e sonoridades dessas mesmas canções. Afinal de contas, estamos a falar do cineasta que filmou A Última Valsa (1978), sobre o concerto de despedida de The Band (Robbie Robertson, Levon Helm, etc.) e, mais recentemente, revisitou o universo de Bob Dylan nessa obra-prima do documentário tele-cinematográfico que é No Direction Home (2005).
Como é óbvio, uma tão especial relação com a música, também ilustrada pela produção da série The Blues (2003), não pode ser separada do enraizamento da obra de Scorsese nas convulsões da década de 60. Da obra e da vida, convém acrescentar: ele é, afinal, filho de uma América que, ao desembocar nos traumas da guerra do Vietname, desafiou os seus valores tradicionais, sem abdicar da sua própria utopia. No inesquecível Taxi Driver (1976), não será que Robert De Niro é um trágico sobrevivente das convulsões dessa utopia?