quinta-feira, novembro 15, 2007

Recordar Ian Curtis (parte 1)

A assinalar a estreia de Control, de Anton Corbijn, iniciamos hoje a publicação de um extenso texto evocativo da figura e obra de Ian Curtis, originalmente publicado em Maio de 2005 no DNmúsica, assinalando então os 25 anos da sua morte.
.
Figura aparentemente distante, autor expressivo, músico visionário, Ian Curtis viu-se transformado em mito pop pela morte precoce, que o levou, por suicídio, meses antes de completar os 24 anos de idade. Era, contudo, um jovem comum, cidadão suburbano com vida feita na periferia de Manchester, melómano profundo, funcionário público por obrigação, músico por sonho concretizado. Desde cedo mostrou uma admiração pelos ícones pop cedo ceifados pela morte. Morte também presente nas suas canções, as últimas das quais embebidas numa pulsão suicida quase denunciadora da tragédia que se concretizou a 18 de Maio de 1980, quando se enforcou na cozinha de sua casa, com a corda de estender a roupa. A sua mulher, Deborah Curtis, afirmaria mais tarde que, caso tivesse acompanhado em estúdio a gravação do segundo álbum, Closer, registado poucas semanas antes do seu suicídio, ouvido as canções e escutado as letras, teria descodificado o estado de depressão e angústia profunda que expressavam, e eventualmente evitado o desfecho que a história registou. Apesar da carta que deixou à mulher, a morte de Ian Curtis não tem motivo conhecido. Terá sido o degradar terminal de um casamento então já à beira do desmembramento? O reforçado impulso suicida vincado pela epilepsia que lhe foi diagnosticada em 1978? A alegada aparente rejeição, por parte da amante Annik Honoré, nos momentos de ataques de epilepsia que sofria? O avolumar da agenda de espectáculos (que amplificou a regularidade e intensidade dos ataques)? A iminência de uma digressão americana e de todo um potencial futuro mais exigente? Um acumular destas e outras razões?
.
Intrinsecamente ligada à figura, voz e escrita de Ian Curtis, a Joy Division foi uma das bandas que abriu a porta à década de 80 e uma das mais marcantes forças criativas da sua geração. Formada na ressaca da revolução punk, avessa à luminosidade festiva da new wave que se lhe seguiu, a Joy Division foi a primeira banda que conseguiu captar, não a raiva e energia, mas antes a ambiência e sentido de identidade do punk e projectá-los num espaço diferente que abriu alas ao desenho de uma atitude melancólica que dominaria a cena pop/rock alternativa na primeira metade de 80. Apesar das manifestações primeiras de uma certa desordem formal característica do punk, a depuração de ideias e linhas, o aflorar de um ideário urbano, tortuoso e solitário em tempestades interiores, e a posterior entrada em cena de sintetizadores fizeram da Joy Division um dos mais entusiasmantes laboratórios de reinvenção pop que a Inglaterra conheceu na passagem de 70 para 80. Em vida de Ian Curtis, tinham decidido que a saída de qualquer membro da banda decretaria o seu fim. A sua morte, em 1980, fechou antes do previsto o tempo da Joy Division. Das suas cinzas nasceriam os New Order. Mas essa é outra história...