sexta-feira, novembro 16, 2007

Evocar o homem e não o mito

Baseado na biografia assinada pela sua viúva, Deborah Curtis (publicada em Portugal, pela Assírio & Alvim, como Carícias Distantes) Control, ontem estreado em Portugal, preocupa-se mais com o homem que com a música que nos deixou e o mito que anbos depois geraram. Apesar da abordagem pessoal, o holandês Anton Corbijn, em estreia na realização de uma longa metragem, não esquece a narrativa que quer contar.
Como na obra fotográfica e nos muitos telediscos que tem assinado para nomes de referência na pop dos últimos 20 anos (de David Sylvian aos Front 242, dos Depeche Mode aos U2), Anton Corbijn filmou Control a preto e branco. E, como nos trabalhos que tem assinado ao serviço de artistas e bandas, também o seu filme mostra que, mesmo ciente da personalidade do autor das imagens, há uma história de terceiros para contar (e, ocasionalmente, música para escutar).
Dos muitos biopics centrados em figuras da cultura rock’n’roll que o cinema nos tem dado recentremente, Control é, de longe, o melhor dos exemplos. Porque sabe que, mesmo conhecidos pela música, os artistas são gente real com vidas que por vezes vão bem para lá das suas canções. Porque está consciente de que um contexto de tempo, lugar, sociedade e eventos não pode ser ignorado. Porque sabe filmar músicas e músicos. Porque, acima de tudo, tem uma narrativa entre mãos e, mesmo ciente de uma aposta estética concreta na sua transformação em cinema, nunca afoga a história sob o peso das imagens.
Control vive também de um feliz episódio de bom casting. Os actores que dão vida aos Joy Divsion não só são fisicamente parecidos com os músicos, como são eles quem interpreta e canta as canções, dando-lhes uma certa verdade de carne e osso. O filme mostra rara sobriedade numa evocação que, mesmo elegíaca, não se perde numa divinização execerbada do mito. Ian Curtis é, aqui, um homem normal. Atormentado, divido, perdido. Mas incrivelmente normal. E talvez por isso, sem a patine de glamour e exagero que muitas vezes acompanha os mitos, o Ian Curtis de Control é arrepiantemente real.
PS. Texto originalmente publicado no DN