quarta-feira, novembro 21, 2007

Recordar Ian Curtis (5)

Em Abril de 1979 a Joy Division grava finalmente o que seria, de facto, o seu primeiro álbum. Fundamental na construção definitiva de uma identidade sonora para as canções do grupo, a presença em estúdio do produtor Martin Hanett revela-se fulcral. As canções, mesmo que ocasionalmente imperfeitas na arte final, são gritos de identidade dotadas de um invulgar sentido de urgência. A música, quase minimalista, capta o desespero patente na escrita de Ian Curtis e a sua voz parece buscar catárse na partilha com o ouvinte. Hannett encontra-lhes a cenografia ideal, um espantoso sentido de espaço, sugere malabarismos técnicos e formais e define em Unknown Pleasures um dos álbuns mais influentes do seu tempo. A capa, a cargo de Peter Saville, sublinha a imortalidade potencial do disco. A gravação e mistura do disco quase coincide com o nascimento da filha de Ian Curtis. Contudo, apesar das expressões de amor paternal, a vida doméstica não é mais a prioridade de Ian. Quando está em casa ouve música ou entrega-se à leitura de autores como Dostoiévski, J.G. Ballard, Nietzsche, Sartre ou Hermann Hesse. Os concertos que se seguem ao disco, a recepção nos media, o entusiasmo de uma legião de admiradores em crescimento tomam a sua atenção. Editado em Junho, o álbum colhe críticas diversas. No Sounds, o texto aponta-o como um potencial catalisador de suicídios.

A banda actua intensamente depois da gravação de Unknown Pleasures e da edição do single Transmission, e os ataques de epilepsia multiplicam-se. A banda é agora quase um emprego full time, mas ainda incapaz de gerar salários expressivos. Ian faz de tudo para ganhar dinheiro extra. Limpa a sala de ensaios, cola folhas de lixa na capa do álbum de estreia dos Durutti Column. Os concertos, mesmo assim, surgem com agenda cada vez mais intensa. Os ataques crescem proporcionalmente, assim como aumentam as dificuldades de comunicação entre Ian e quem o rodeia. Em Agosto, ao assumir o lugar de banda de suporte numa digressão dos Buzzcocks, a Joy Division torna-se em pleno uma banda profissional, e todos abandonam os seus empregos não musicais. Em grupo, fora do palco, Ian começa a desenvolver uma atitude de alheamento aos fardos do dia-a-dia. Não carrega instrumentos, furta-se às obrigações não performativas. Bernard acompanha-o. Hook e Morris toleram...

A 16 de Outubro de 1979, numa pausa na digressão dos Buzzcocks, a Joy Division toca em Bruxelas, no Plan K. É aí que se pensa que Ian terá conhecido a fã Annick Honoré que rapidamente se torna a sua amante e sombra omnipresente (para descontentamento dos restantes membros da banda). Quando de regresso a casa Ian está cada vez mais distante, ausente. Em Janeiro de 1980 o grupo parte para uma exigente digressão europeia. Apesar da política de Greton que pede o afastamento de mulheres e namoradas, Ian leva Annick consigo. Ataques ocasionais ensombram a digressão. Nesses momentos, Annick afasta-se. Ian sente a rejeição e experimenta o frio da solidão. Publicamente, contudo, a banda vive momentos de glória. As canções são cada vez melhores, a voz de Ian mais encorpada e expressiva. As letras mais intensas.
(continua)