terça-feira, outubro 09, 2007

Discos da semana, 8 de Outubro

Bastava saber-se que Joni Mitchell ia lançar um novo álbum para que o acontecimento fosse digno de notícia. Porém, a este dado junta-se o facto de Shine representar a sua primeira gravação essencialmnente feita de temas originais em nove anos. Resulta ainda da sua primeira colaboração com a editora discográfica ligada à rede de cafés Starbucks. E é, convenhamos, o seu melhor disco desde meados de 70. Shine chega num tempo em que os grandes da mesma “fornada” de Joni Mitchell são alvo de merecido reconhecimento por diversas gerações de amantes da música, e em particular por figuras de proa da cena musical actual. Há poucos meses, a edição (pela Nonesuch) de um tributo às suas canções apresentava nomes como os de Björk, Sufjan Stevens, Brad Mehldau, Caetano Veloso ou Prince a si rendidos. Há poucas semanas, Herbie Hancock dedicou-lhe todo um álbum (The Joni Letters). A história da música popular deve-lhe uma extensa obra de excepção que, depois de dois álbuns em demanda de uma personalidade (Song To A Seagull e Clouds, de 1968 e 69), ganha fôlego, identidade e grande exposição em monumentos como Ladies of The Canyon (1970) ou Blue (1971). Da sua discografia destacam-se ainda discos como Court and Spark (1974), Hejira (1976) ou Turbulent Indigo (1994), retratos de tempos e destinos musicais distintos entre si, mas sob evidente expressão de fortíssimas marcas autorais. Shine chega na altura certa e intereompe abrupta e inesperadamente um silêncio anunciado em 2002 quando, por alturas da edição de Travelogue, Joni Mitchell amargamente reconheceu estar longe dos objectivos e hábitos da indústria discográfica. Contudo, há cerca de dois anos foi desafiada a colaborar num projecto para um espectáculo de dança centrado em canções suas, acabando para a sua banda sonora ceder duas canções inéditas que, entretanto, abriram portas ao conjunto de gravações que agora podemos escutar. Cruzando uma série de reflexões pessoais (como as que partiram de uma observação do seu neto, de três anos, sobre pesadelos, em Bad Dreams) com olhares sobre o mundo em que vivemos, a guerra no médio oriente, a igreja, Shine é um dos mais inspiradores discos de toda a obra de Joni Mitchell posterior a meados de 70 e revela a redescoberta de uma voz que, mesmo distinta da de outrora, está diferente da sombra que Travelogue sugeriu há cinco anos. O álbum, por um lado, retoma a simplicidade melodista, de genética folk, de outros tempos, mas junta-lhe a elegância sinfónica das versões de Travelogue. Um clássico à nascença, mantém viva a voz atenta de uma cantora que, em If I Had A Heart, comenta o estado de guerra em que hoje vivemos e, em Big Yellow Taxi (nova versão de um clássico de Ladies of The Canyon) volta a sublinhar uma postura verde perante o mundo. O álbum fecha com If, canção que nasce de um poema de Rudyard Kipling. É bom ter Joni Mitchell de volta!
Joni Mitchell
“Shine”

HearMusic / Universal
5/5
Para saber mais: site oficial
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Há dois anos era a surpresa. Um rapaz do Novo México, com apenas 19 anos, mostrava visões que transcendiam a sua identidade geográfica num álbum que rapidamente conquistou admiradores. Chamava-se Gulag Orkester. Agora, Zach Condon é um músico reconhecido. E The Flying Club Cup, um segundo disco que nasce sob as atenções de quem nele espera um dos acontecimentos do ano. Zach (através do seu alter-ego/banda Beirut) não desilude. Por um lado, seguindo as sugestões que já escutávamos no intermediário EP Lon Gisland e demonstrando sinais de assimilação da aprendizagem que a estrada confere a qualquer músico, revela-se menos encantado com os diálogos entre a bricolage lo-fi e o exotismo balcânico que haviam justificado muita da surpresa de Gulag Orkester. Os azimutes das atenções desviam-se dos Balcãs para a França, nomeadamente para uma noção romântica e impresionista de Paris, que o disco aceita como principal cenário virtual. O acordeão ganha maior protagonismo, vincando-se o sentido de elegância que asociamos à cidade das luzes através dos soberbos arranjos de cordas assinados por Owen Pallett (Final Fantasy), que canta inclusivamente em Cliquot. Ocasionalmente sugere-se uma familiaridade com o som que Yann Tiersenn entretanto registou como “seu”, marcando Zach a diferença pela forma como aborda a escrita, da linha que suporta a melodía à construção de uma elaborada arte final, aquí mostrando-se cada vez mais perto de uma primeira linha de grandes autores do nosso tempo, na qual militam figuras como Rufus Wainwright ou Sufjan Stevens. O disco da confirmação de Beirut é, também, uma das mais belas exposições de canções deste ano.
Beirut
“The Flying Club Cup”
4AD / Popstock
4/5
Para ouvir: MySpace
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No princípio eram as sombras (a preto e branco)… E, aos poucos, disco a disco, a luz e as cores foram invadindo a música de David Fonseca, revelando afinal outro homem que não apenas o herdeiro de expressões melancolias de juventude de que os Silence 4 foram genuíno retrato. Dreams In Colour é o seu terceiro álbum a solo e também o seu melhor disco de sempre. Não representa uma inflecção, antes o desembocar natural de caminhos indiciados em Sing Me Something New (2003) e ainda mais evidentes em Our Hearts Hill Beat As One (2005). O álbum oferece-nos canções que são como polaroids de momentos, de sensações, de maneiras de estar num mundo que sabemos feito do acumular de experiencias de uma antiga paixão pela música pop. Como no passado, David Fonseca mostra sagaz capacidade em gerar um discurso musical que se reconhece nacido de genéticas “alternativas”, dotando as canções (e a sua comunicação) de jogos de empatia capazes de atingir públicos considerablemente vastos. As canções sabem fugir a fórmulas, ora ensaiando o prazer da convicação de sons que a memoria guarda (nas entranhas de Silent Void) ora estabelecendo crescendos que conquistam a cada compasso que passa (This Wind, Temptation). A pesar das evidentes capacidades autorais reveladas, um dos momentos do álbum nasce de uma espantosa (e muito pessoal) abordagem a um clássico de Elton John. Rocket Man (I Think It’s Gonna Be a Long Long Time) é pérola que convém não fechar dentro destas fronteiras, podendo representar eventual novo cartão de visita para ouvidos de outras latitudes. E, já agora, fica registada a sugestão que o próprio David ouviu: para quando um EP apenas feito de versões?
David Fonseca
“Dreams In Colour”
Mercury / Universal
4/5
Para ouvir: MySpace
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Quando, em 1993, para assinalar o início da sua carreira a solo, Charles K. Thompson mudou o seu nome artístico de Black Francis para Frank Black, sem querer, preservou uma identidade até então ligada a alguns dos mais entusiasmantes e marcantes discos nacidos do rock alternativo norte-americano (naturalmente referimo-nos aos Pixies). Nos anos seguintes, e apesar de uma estreia aceitável e de um segundo álbum a solo ainda dentro do menos-mau, a carreira de Frank Black foi verdadeiro rebolar pela ribanceira abaixo, numa sucessão de discos cada vez mais inconsequentes. Há três anos, e já com os Pixies reunidos, na estrada, gravou, a solo, velhas canções dos seus melhores dias em Frank Black Fracis… Era a transição, que posteriores discos de tez country, gravados em Nashville, não indiciada verdadeiramente. Na verdade, o passo seguinte desse momento de transição sugerida só agora se materializa naquele que é, mesmo longe dos dias dos Pixies, o seu melhor álbum a solo desde a estreia em Frank Black, porém, novamente, sob a assiatura que fez história: Black Francis. O nome é assim um cartão de visita que indicia o que o disco, na verdade sugere: o regresso a um rock mais urgente, rápido, intenso, mas sempre carregado de concentrados de melodía. Na verdade, e se exceptuarmos o espantoso Threshold Apprehension (e alguns poucos momentos mais), verificamos que são mais as intenções que as concretizações. Mesmo assim, o disco com dedicatoria ao holandês Herman Brood (de quem Black Francis revisita You Can’t Break A Heart and Have It) mostra como a reunião dos Pixies foi já coisa saudável, pelo menos, para a obra a solo do seu vocalista.
Black Francis
“Bluefinger”

Cooking Vinyl / Edel
3/5
Para saber mais: site oficial
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A editora alemã Kompakt continua em evidência. Mesmo que muitos nela não reconheçam o papel visionário de há alguns anos atrás, quando tomou o leme da invenção de uma nova electrónica de contenção minimalista, o certo é que somamos já em 2007 um número suficiente de títulos novos do seu catálogo que a inscrevem entre as mais interessantes labels de música electrónica do ano. O álbum que volta a sublinhar uma atenção pelo catálogo da Kompakt reune dois dois seus nomes de referência: Michael Mayer e Aksel Schaufler (ou seja, Superpitcher). Em duo respondem como Supermayer e, juntos, levam a Save The World um conjunto de propostas que, mesmo sem conseguir o feito messiânico que o título sugere, traduz um curioso conjunto de reflexões sobre algunas das questões do momento. Fruto de uma saudável revolução (liderada pelo colectivo LCD Soundsystem), a canção volta a ser objecto de curiosidade entre muitos partidários da música de dança, e faixas como The Art Of Letting Go ou The Lonesome King são disso exemplo, juntando à arquitectura formal da sua estrutura um gosto evidente pela construção de cenografias sugestivas nas quais a canção quase vira pequena curta metragem para áudio. O outro grande momento do álbum mora em Please Sunrise, onde uma matriz colhida na memória do hi-nrg conhece semelhante abordagem cénica, demonstrando como estas heranças de há quase 30 anos são ainda base de trabalho para grandes ideias. Com evidente sentido de humor nas entrelinhas, um álbum cativante, feito de cor, ideias e entusiasmo.
Supermayer
“Save The World”
Kompakt / Flur
3/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Pet Shop Boys, Tiny Masters Of Today (ed local), The Cloud Room (ed europeia), Ed Harcourt, Fiery Furnaces, The Hives, Robert Wyatt, Teddy Thompson, Brasilian Girls, Richard Hawley (ed local), Turin Brakes, Radiohead

Brevemente:
15 de Outubro: Efterklang. Lilac Time, REM (ao vivo), Tributo a Adriano Correia de Oliveira, Roisin Murphy, Underworld, Undertones, Marc Bolan (BBC sessions), Carter USM (best of), Vashty Bunyan (antologia), Susumu Yokota
22 de Outubro: Dave Gahan, Soulwax (remixes), Lilac Time, To Rocco Rot, Van Morrison (best of), Flaming Lips (DVD), She Wants Revenge
29 de Outubro: Bob Dylan (DVD), Rodrigo Leão, Ray Davies, Youssou N’Dour, Sex Pistols

Outubro: Junior Boys, Mazgani, Tributo aos Mão Morta
Novembro: Duran Duran, Sigur Rós (CD + DVD), Sex Pistols (singles), Led Zeppelin (best of), Scissor Sisters (DVD), Boy Kill Boy, Gorillaz (compilação), LCD Soundystem, Rolling Stones (compilação), Daft Punk (live), Muse (live)
PS. A crítica a Shine, de Joni Mitchell, é uma versão, editada, de um texto originalmente publicado no DN