quinta-feira, outubro 25, 2007

Bem lido, Mr Chance

Um ano depois do excelente O Pássaro Pintado, a Livros de Areia publica outro dos títulos mais significativos da obra de Jerzy Kosinski (1933-1991), escritor nascido na Polónia mas naturalizado norte-americano em 1965. Chance (no original Being There, inicialmente publicado em 1971) é uma espantosa sátira política que, sobretudo, desenha uma caricatura mordaz dos bastidores de Washington.

Em, de apenas 140 páginas, Chance, numa escrita clara, directa, muito visual, conta-nos a história de um velho jardineiro, analfabeto, alheado do mundo, ingénuo, solitário, que durante toda a vida habitou um pequeno quarto numa mansão de um homem rico que o recolheu e deu trabalho. Foi jardineiro, estação após estação tratando das plantas da mansão, vendo televisão nas horas vagas. E nunca saindo deste pequeno mundo. Nem mesmo para um passeio na rua... A morte do “velho”, dono da mansão, deixa-o sem casa nem rumo. É atropelado na sua primeira passeata na rua da grande cidade. O acidente leva-o a uma outra mansão, a da mulher que o atropelou e do seu marido moribundo, figura da alta finança e amigo do Presidente... Chance é aceite na nova família, julgando-o estes um distinto homem de negócios. É apresentado ao Presidente e, questionado sobre a economia do país, responde como se de um jardim estivesse a falar e sem ambição de muito mais. É o que sabe. Responde ao que pensa que lhe perguntaram. A verdade é que a resposta deixa todos perplexos. E aí nasce um mito fulminante. Quem é Chance? É convidado para falar na televisão, os jornais querem fazer dele um perfil, a Casa Branca desespera sem entender que é, a espionagem de Leste disputa-o... Hilariante, ao mesmo tempo profundamente dramático, o livro foi adaptado ao cinema em 1979 por Hal Ashby (a imagem que ilustra o post é do filme), como Bem Vindo Mr Chance. O filme deu o seu último grande papel a Peter Sellers e respeita espantosamente o livro original de Kosinki agora publicado entre nós.
Discutível, parece, apenas, a opção de juntar a sugestão de uma imagem de Bush numa capa que, de resto, é soberbo exercício de tradução, pelo design, da ideia central ao livro. A caricatura de Chance é ao sistema, não a Bush ou a uma figura em particular. O livro é de 1971. Não havia Bush presidente... O livro português, é certo, surge na era Bush... Mas que não se tire o texto do contexto, por muito que a actual administração americana também justifique a sátira.