Texto publicado no Diário de Notícias (5 Setembro), com o título 'Hollywood redescobre a alegria do cinema musical' >>> Hairspray? Um musical? É verdade. E com um fulgor verdadeiramente inesperado. Afinal de contas, dos espectadores acidentais aos teóricos do cinema, todos conhecem filmes como Serenata à Chuva, West Side Story ou My Fair Lady, justamente porque simbolizam as glórias desse grande género popular que é o musical.
Mas são títulos que reflectem também uma incurável nostalgia: o mais recente, My Fair Lady, é de 1964... Claro que alguns musicais recentes, incluindo Dancer in the Dark (2000) e Moulin Rouge (2001), foram fenómenos de prestígio e popularidade. Em todo o caso, o musical deixou de ser um modelo regular de produção, em particular no interior de Hollywood. Daí a surpresa de Hairspray. Desde logo porque se trata da adaptação de um título de culto, gerado pelo mais bizarro cinema independente made in USA: o original Hairspray tem data de 1988 e assinatura desse mestre da extravagância e provocação que é John Waters. Mas também esta é uma adaptação “impura”, já que o ponto de partida é, não o filme de Waters, mas a versão de Hairspray que estreou na Broadway em 2002.
Hairspray começa por conservar as linhas essenciais de uma história muito simples, mas de grande eficácia cómica e carregada de simbolismo político. Tudo se passa em Baltimore, no começo dos anos 60, quando os novos ritmos pop dominam os programas televisivos para adolescentes. São espaços que reflectem uma nova visão da juventude, embora dominados por vedetas brancas e, mais do que isso, conservando atitudes discriminatórias em relação aos negros. Para Tracy Turnblad, uma estudante capaz de mostrar que “gordura é formosura”, a participação em tais programas vai ser, de uma só vez, uma afirmação pessoal, um teste familiar e um desafio social.
O filme tem a seu favor um elenco invulgar que inclui, entre outros, John Travolta (em versão feminina e com muitos quilos a mais...), Michelle Pfeiffer e a fabulosa estreante que é Nikki Blonsky [na foto], no papel de Tracy. Mas, provavelmente, o maior “segredo” do impacto de Hairspray reside na sua impecável confecção clássica: não se trata apenas de ter um material musical forte e sedutor, mas sobretudo de o saber tratar como verdadeiro elemento narrativo. Assim, os números de dança e, sobretudo, as canções não interrompem a acção (como acontecia no semi-falhado Dreamgirls, com Jamie Foxx e Beyoncé). Bem pelo contrário, a narrativa flui através do canto e da dança, numa ligeireza sofisticada que faz lembrar os gloriosos anos 40 e 50 dos estúdios americanos.
Adam Shankman, o realizador, res-ponsável por algumas comédias não muito brilhantes (incluindo Resistir-lhe É Im-possível, com Jennifer Lopez), parece encontrar aqui o espaço ideal para expressar o seu indesmentível talento. Ele é, de facto, por formação, um bailarino e coreógrafo, e Hairspray reflecte uma sábia adequação entre os estilos de encenação e os modos de filmar. Ironicamente, Hairspray foi rodado em estúdios e cenários canadianos. Dir-se-ia que Hollywood continua a procurar o re-encontro com as origens muito para além das suas próprias fronteiras (geográficas e tecnológicas). O mínimo que se pode dizer é que, desta vez, acertou em cheio: Hairspray reconcilia-nos com o fulgor e alegria do género musical.
Hairspray começa por conservar as linhas essenciais de uma história muito simples, mas de grande eficácia cómica e carregada de simbolismo político. Tudo se passa em Baltimore, no começo dos anos 60, quando os novos ritmos pop dominam os programas televisivos para adolescentes. São espaços que reflectem uma nova visão da juventude, embora dominados por vedetas brancas e, mais do que isso, conservando atitudes discriminatórias em relação aos negros. Para Tracy Turnblad, uma estudante capaz de mostrar que “gordura é formosura”, a participação em tais programas vai ser, de uma só vez, uma afirmação pessoal, um teste familiar e um desafio social.
O filme tem a seu favor um elenco invulgar que inclui, entre outros, John Travolta (em versão feminina e com muitos quilos a mais...), Michelle Pfeiffer e a fabulosa estreante que é Nikki Blonsky [na foto], no papel de Tracy. Mas, provavelmente, o maior “segredo” do impacto de Hairspray reside na sua impecável confecção clássica: não se trata apenas de ter um material musical forte e sedutor, mas sobretudo de o saber tratar como verdadeiro elemento narrativo. Assim, os números de dança e, sobretudo, as canções não interrompem a acção (como acontecia no semi-falhado Dreamgirls, com Jamie Foxx e Beyoncé). Bem pelo contrário, a narrativa flui através do canto e da dança, numa ligeireza sofisticada que faz lembrar os gloriosos anos 40 e 50 dos estúdios americanos.
Adam Shankman, o realizador, res-ponsável por algumas comédias não muito brilhantes (incluindo Resistir-lhe É Im-possível, com Jennifer Lopez), parece encontrar aqui o espaço ideal para expressar o seu indesmentível talento. Ele é, de facto, por formação, um bailarino e coreógrafo, e Hairspray reflecte uma sábia adequação entre os estilos de encenação e os modos de filmar. Ironicamente, Hairspray foi rodado em estúdios e cenários canadianos. Dir-se-ia que Hollywood continua a procurar o re-encontro com as origens muito para além das suas próprias fronteiras (geográficas e tecnológicas). O mínimo que se pode dizer é que, desta vez, acertou em cheio: Hairspray reconcilia-nos com o fulgor e alegria do género musical.