É mesmo verdade. Por mim, já o disse e escrevi várias vezes, e faço questão em sublinhá-lo: hoje em dia, o mundo do desporto — e, em particular, o futebol — apropriou-se de muitas componentes do espaço intelectual. Nada contra, entenda-se: é bom pensar o futebol — mais simplesmente: é bom pensar.
O que é espantoso é que este fenómeno de "transferência" de valores funcione a partir de um esmagamento dos mais tradicionais exercícios intelectuais. Como? Pensemos, por exemplo, num recente blockbuster: Ocean's 13, de Steven Soderbergh (aliás, eleito pelos visitantes do Sound+Vision como o melhor filme de aventuras deste Verão). Se alguém se atrever a considerar que Ocean's 13 é um espantoso exercício mental, tendencialmente abstracto, sobre os modelos narrativos e iconográficos herdados da tradição do filme negro, está quase inevitavelmente condenado a ser insultado como um pretensioso "intelectual" entregue aos seus delírios... Vivemos, aliás, num país em que muito boa gente cultiva a palavra "intelectual", não como mera identificação de um modelo de trabalho ("bom" ou "mau", não é isso que está em causa), mas como um automático insulto. Não tenhamos ilusões: Jose Antonio Camacho e Paulo Bento têm mais reconhecimento, mais espaço de manobra e mais possibilidades práticas de mostrarem os seus dotes intelectuais — tanto melhor para eles. Vou ver. Bom jogo!