quarta-feira, setembro 12, 2007

Discos da semana, 10 de Setembro

Ao que soa o presente? A vasta produção discográfica actual, com inúmeras edições e propostas em todos os comprimentos de onda (e mais alguns) dá-nos resposta rápida, mas desapontante: o presente pode soar a tudo. Porém, podemos tentar procurar entre a imensa variedade que nos é oferecida qual será o o espaço musical que mais é capaz de traduzir, além dessa noção de "soar a tudo", o sentir do hoje, o pensar do agora, o agir do momento. E sem esforço acabamos por reconhecer nos Animal Collective uma sólida solução para esta demanda. Num olhar rápido pelo que acontece no cinema, nas artes plásticas, inclusivamente na criação musical, verificamos que, mais que inventar novas formas, o tempo presente reflecte frequentemente uma ideia de criação feita a partir de fragmentos. Híbridos que juntam pistas, ligam espaços, cruzam ideias. De certa maneira estamos a descrever também assim a música dos Animal Collective, que revela ainda um sentido de urgência que sempre habita junto de quem vive o agora, mas de ouvidos postos no amanhã. A carreira desta banda, hoje dividida entre os EUA e Lisboa, tem revelado uma progressão tranquila no sentido da arrumação das muitas ideias que colocam em jogo, demonstrando ainda cada vez mais vontade de explorar o formato da canção. Há três anos, Feels levava ainda mais longe os feitos do não menos cativante Sun Tongs. Já este ano, Panda Bear mostrou em Person Pitch novo domínio nas artes de construção de música feita de pedaços de outras. E, de certa maneira, em Strawberry Jam confirma-se o apurar dessas e outras técnicas. O disco começou a nascer em Setembro de 2005, quando os Animal Collective se preparavam então para a digressão europeia de apresentação de Feels. As melodias e letras foram sendo compostas e escritas por Panda Bear e Avey Tare entre Lisboa, Paris, Nova Iorque e Baltimore. O novo álbum é, como os anteriores, um mundo de acontecimentos, muito intenso e emotivo. De novo, constata-se uma cautela formal que preserva a crueza das canções que surgiram na etapa inicial de escrita. Ou seja, a mistura final revela menos camadas de acontecimentos, sendo mais fiel retrato do que nos mostram ao vivo. Peacebone, a canção perfeita, abre um alinhamento que revela um disco que herda pistas de Feels e procura arrumar ideias. Junta discretas electrónicas, pontual tempero minimalista, e apresenta um conjunto de canções tão cativantes quanto desafiantes que, como mais nenhumas, descrevem o que é o som de 2007.
Animal Collective
“Strawberry Jam”

Domino / Edel
5/5
Para ouvir: MySpace


Se, há três anos, a estreia dos Go! Team deixou muito boa gente em estado de deslumbramento e entusiasmo, o seu segundo álbum, Proof Of Youth, confirma que as promessas ali sugeridas foram cumpridas. O disco mostra que esta banda de Brighton é hoje mais capaz de segurar as muitas pontas soltas de uma multidão invulgar de referências e elementos. Mantém a mesma identidade lo-fi, mas revela maior capacidade na gestão dos muitos ingredientes, apurando assim o sabor das canções. Apesar de algumas novidades em cena (entre as quais a presença regular de uma nova guitarrista e colaborações pontuais, entre as quais a vocalista dos Bonde do Rolé), o segundo álbum dos Go! Team é o exacto sucessor das ideias veiculadas no primeiro, vivendo as suas canções entre ecos da memória de genéricos televisivos, nostalgia pop apontada a tudo o que aconteceu desde os anos 60 e marcas claras da cultura cut & paste, que sustenta muitas das dinâmicas de construção aqui apresentadas. As genéticas do hip hop estão mais visíveis neste segundo disco, sendo frequentes momentos que evocam recordações de acontecimentos pop que o hip hop gerou nos dias de 80. Como no primeiro disco, este é um espaço de fruição do prazer pelo prazer, sem revoluções (estéticas ou políticas) necessariamente inscritas numa eventual agenda de intenções. Na verdade, o título do álbum expressa por palavras o seu sentido enquanto experiência musical. Prova de juventude, de facto, este é um disco de escapismo assumido, exuberante na sua forma de celebrar a juventude. Festivo, jubilante, bafeja optimismo e serve de alternativa a um tempo de depressão colectiva (que muita da cena indie dançável, na verdade, não contraria).
The Go! Team
“Proof Of Youth”
Memphis Industries / Edel
4/5
Para ouvir: MySpace


Pode não ter sido a primeira (Patti Smith, aí, terá sempre o título nas mãos). Pode não ter sido a mais popular (Debbie Harry, através dos Blondie, ganhou fama mainstream). Mas Siouxsie Sioux foi talvez a mais representativa das “divas” nascidas com o punk. Com os Banshees assinou algumas das páginas mais significativas do pós-punk, ganhando também estatuto de referência na génese do rock gótico. Com os Creatures, mais tarde, elevou a curiosidade formal a outros patamares de desafio, sobretudo no plano da exploração das relações entre a voz e os elementos rítmicos. Agora, aos 50 anos de idade, estreia-se finalmente a solo num disco que assume pessoalmente a ruptura com as equipas com quem sempre trabalhou (sobretudo o parceiro Budgie, de quem se divorciou) mas que, musicalmente, não é mais que seguro herdeiro de vários trilhos que discograficamente viveu desde a sua estreia em 1978. Mantaray é um surpreendente manifesto de vitalidade numa voz (e autora) que, mesmo sem vontade de voltar a fazer a revolução da estava zero, aceita que, pelo menos, as conquistas feitas são suas e ponto de partida para nova etapa. Mantaray é pop ao jeito de Siousxie. Estão aqui as linhas fortes das melodias mais luminosas dos Banshees, as atmosferas mais intrigantes que com eles desenhou, os refrões pop que aprendeu a ouvir bem cedo e, acima de tudo, a presença de uma voz que garante um sentido de teatro que poucas fariam igual. Este é, à excepção de registos com os Creatures, o melhor álbum de canções “pop” que edita desde o já longínquo Peep Show (com os Banshees, em 1988). Curiosamente, Mantaray parece ser, precisamente, o sucessor de Tinderbox e Peep Show que os discos seguintes dos Banshees nunca conseguiram ser. Ela está de volta. De saúde. E recomenda-se.
Siouxsie
“Mantaray”

Universal / Universal
3/5
Para ouvir: MySpace
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Há capas que podem estragar a vontade de escutar um disco. E esta é perfeito exemplo... Contudo, um segundo olhar mostra que um sentido de humor mora aqui. E que, ao contrário de uns Blasted Mechanism, estes cavalheiros não levam as máscaras demasiado a sério... OK... Ordem para escutar... E assim se descobre o que nos apresenta este trio alemão que assina como International Pony. Eles são DJ Koze (uma das figuras de destaque da editora Kompakt, que este ano nos deu já Pantha du Prince, The Field ou Guy Boratto), Erobique (um teclista com formação no jazz) e Cosmic DJ (a voz desta pandilha de Hamburgo). Fazem música juntos desde 2002, mas só agora parecem estar finalmente a saborear o reconhecimento pela sua obra. E devem-no a Mit Dir Sind Wir Vier, um álbum de grande ecletismo que propõe, sem um programa académico, uma viagem livre por territórios vários actualmente sob escuta pelos mais diversos azimutes da chamada “música de dança”. A sua música mostra preferências pelos domínios do downtempo e do techno minimal (sem dúvida, e cada mais, a imagem de marca 2007 do melhor do catálogo da Kompakt). Mas não se limitam a este trilho, aproveitando todas as desculpas e situações para experimentar contaminações que vão da house ao hip hop e rhythm’n’blues, sendo por vezes evidentes marcas de admiração pelo legado de pioneiros como Afrika Banbaataa e, sobretudo, George Clinton (e neste momento reavaliamos a capa do álbum para comprender que, afinal, havia sentido naquela imagem). A música do colectivo International Pony tanto mostra capacidade em lidar com um desejo em assimilar a pop, como em dialogar com pernas em movimento na pista de dança. Mais um exemplo da boa electrónica que se faz em 2007.
International Pony
“Mit Dir Sind Wir Vier”

Kompakt / Flur
3/5
Para ouvir: MySpace


Joe Henry é, para muitos, um dos grandes cantaurores da geração de 90, com carreira nascida em plena maré de invenção de uma realidade de redescoberta de velhas raízes em novos cenários a que se veio chamar alt-country. Para outros, poderá ser um dos mais elogiados autores da presente década, tendo já merecido comparações (ainda um tanto sobrevalorizadas) a Tom Waits. Há quem nele reconheça uma sensibilidade capaz de trazer do jazz músicos para consigo reinventar a canção de autor consciente de raízes rurais. Ele é ainda o cunhado de Madonna, para quem compôs a maquete da qual evoluiu Don’t Tell Me. Na verdade, Joe Henry é tudo isto. E mais ainda. É, como o revela Civilians, um cidadão do mundo que não teme partilhar com o ouvinte as suas reflexões e grandes dúvidas sobre as falhas do Homem como ser social. Civilians mostra menos desejos cénicos que alguns álbuns recentes de Joe Henry, e centra as atenções em palavras que falam do mundo em que vivemos, traçando linhas de esperança mesmo perante as sombras que aponta no horizonte. Our Song pode ser vista como um exemplo de canção política para os dias que correm, peça central de um álbum onde, apesar da elegância das formas, se mostram mais ideias nas palavras que na música. Nada de grave, mostrando Civilians mais uma prova de maturidade de um autor que domina as formas, que tem consciência dos seus objectivos e que sabe como os deve atingir. Mesmo assim, e num disco onde se dá protagonismo à reflexão e ideias, as presenças de Bill Frisell e Van Dyke Parks mostram que, mesmo quando o conteúdo é quem manda, o verdadeiro comunicador nunca deixa de ter em conta as questões da forma.
Joe Henry
“Civilians”
Anti / Edel
3/5
Para ouvir: Site oficial


Também esta semana:
R Villalobos, Gravenhurst, Dot Allison, Kanye West, Sgt Pepperes (Tributo), U2 (DVD)

Brevemente:
17 de Setembro: Thurston Moore, Edwin Collins, The Grid, Lou Rhodes, Murcof, Simon & Garfunkel (Live 1969). Manu Chao, Turin Brakes, David Bowie (reedição), Dead Or Alive (reedição), Debbie Harry, Broken Social Scene
24 de Setembro: PJ Harvey, Devendra Banhart, Fados (banda sonora), Ian Brown, Múm, Pet Shop Boys, Scott Walker, Joni Mitchell, Jona Lewie (reedição), Squeeze (reedições), Jose Gonzales, Iron & Wine
1 de Outubro: Clã, Bob Dylan (best of), Jim White, Felix da Housecat

Outubro: David Fonseca, Madonna, Robert Wyatt, Junior Boys, Teddy Thompson, Sex Pistols (caixa de singles), Annie Lennox, Dave Gahan, Bruce Springsteen, Beirut, Cloud Room, Fiery Furnaces, Underworld, Roisin Murphy, Lilac Time, Efterklang, Underworld, Mick Jagger (best of), Felix da Housecat
Novembro: Duran Duran, Sigur Rós (CD + DVD), Sex Pistols (singles), Led Zeppelin (best of)

Datas retiradas de catálogos de editoras e lojas, contudo sujeitas a alterações
P.S. O texto sobre os Animal Collective é uma versão editada de um outro já publicado no DN