
Não simplifiquemos, no entanto. Para o “esquecimento” de Bresson contribui também o seu ambíguo posicionamento histórico. Ainda que incensado pelos críticos/cineastas da Nova Vaga francesa, Bresson nunca foi um membro “oficial” do movimento, quanto mais não seja porque a sua filmografia começa muito antes: Les Anges du Péché, a sua primeira longa-metragem, data de 1943. Além do mais, se algo distingue o seu labor é a criação de um universo esteticamente autónomo, construído como se o cinema tivesse regressado ao zero e fosse indispensável reinventar toda a sua linguagem.

Não admira que, ao lidar com a história lendária de Joana D’Arc, Bresson se fixe na frieza mecânica, propriamente infernal, dos factos: O Processo de Joana D’Arc existe como uma elegia sobre a solidão individual face à mecânica cega da lei. No fundo, trata-se de filmar a impossível equivalência entre o valor (colectivo) e a verdade (individual), seguindo um método que atinge a sua depuração máxima nesse extraordinário exercício de cinema que é O Dinheiro. Inspirando-se num conto de Tolstoi, Bresson transfere a acção para um presente de consumo generalizado, simbolizado pela proliferação das máquinas de “multibanco”. E raras vezes se terá filmado com tamanha precisão e desencanto a crueza material do dinheiro e o modo como a sua circulação contamina os mais anódinos gestos humanos.
Ainda que sem extras significativos (apenas uma filmografia de Bresson e algumas imagens dos filmes), esta é uma edição central na actividade do DVD ao longo deste ano. A excelente qualidade das transcrições valoriza ainda mais a redescoberta de um cineasta que, não por acaso, proclamava que o cinema se devia manter fiel à sua mais primitiva capacidade de olhar os seres e os seus mistérios. Afinal de contas, para designar o “cinema”, Bresson preferia a velha palavra “cinematógrafo”.