Muitos profissionais da indústria discográfica são figuras discretas que raramente vencem o anonimato, sendo contudo quem por vezes, e sempre nos bastidores, puxa os cordéis das carreiras musicais. Tony Wilson era diferente. Foi apresentador de televisão antes de se aventurar no mundo dos discos. E quando criou uma editora para dar som ao que escutava na Manchester de finais de 70, rapidamente deu a entender que, como os seus artistas, também ele era uma pop star. Em 2006 foi-lhe diagnosticado um cancro renal. Sexta-feira moreu num hospital de Manchester, vítima de um ataque cardíaco, atribuído a complicações da doença. Tinha 57 anos.
Conforme defendeu na autobiografia 24 Hour Party People (que elaborou a partir do argumento do filme de Michael Winterbottom com o mesmo título), o seu envolvimento no mundo da música foi consequência de ter visto o primeiro concerto dos Sex Pistols em Manchester, em 1976. Era então apresentador de um programa de actualidades pop na Granada Television, com fácil acesso aos meandros do mundo da pop. Com um actor no desemprego (Alan Erasmus) criou então a Factory, uma noite de revelação de novos talentos num bar da cidade. Meses depois, juntos fundavam uma editora para levar a disco estas mesmas bandas. Chamaram-lhe, também, Factory, desafiando o jovem designer Peter Saville a definir a sua personalidade gráfica. E o produtor Martin Hannett a garantir um som próprio. Entre as normas que faziam desta uma editora diferente conta-se o facto de não exigir nunca contratos com os músicos. Ficava tudo entre apertos de mão. Coisa de gentlemen, mesmo entre filhos directos da revolução punk. Joy Division (e mais tarde os New Order), Durutti Column, A Certain Ratio, Quando Quango, James ou Happy Mondays foram alguns dos nomes que o tiveram como editor. De resto, da Manchester dos anos 80 só dois "grandes" lhe escaparam: os Smiths e os Stone Roses. Daí que muitos sejam os que afirmam que, sem Tony Wilson, não teria havido uma "cena" musical na cidade.
Em 1982 abriu a Haçienda, discoteca no centro da cidade que tinha número de catálogo como se fosse um disco da Factory. Era a Fac 51... Através deste espaço não só garantiu palco para actuações de alguns dos seus artistas, como pista para revelação de novidades na música de dança. A Haçienda acabaria por ser peça fundamental para a criação de uma revolução musical na segunda metade dos anos 80, que cruzou sons rock'n'roll com ritmos da música de dança. O movimento que daí cresceu tomou por nome a expressão "Madchester" (tirada de um disco dos Happy Mondays) e representou, dez anos depois da vaga de bandas que surgiu com a Factory, a segunda geração globalmente projectada de um som nascido em Manchester. Como em 1978, Tony Wilson estava na primeira linha dos acontecimentos.A sua visão artística e entusiasmo melómano não acompanharam, contudo, a sua vida empresarial. O azar começou a bater-lhe à porta quando gangues de traficantes de droga tomaram a Haçienda como espaço privilegiado de vendas.
Mau homem de negócios, acabou por ver editora e discoteca a falir nos anos 90. A falência da editora deveu-se à trágica soma de erros de gestão. As despesas astronómicas gastas em 1992 pelos New Order e Happy Mondays para gravar novos discos eram incomportáveis. E Wilson acabou por vender a sua "fábrica" pop a uma grande editora.Nos últimos 15 anos fundou com a mulher o colóquio musical anual In The City e criou a F4 uma nova pequena editora. A sua consciência política ganhou solidez, tendo encetado campanhas pela regionalização. Um cancro renal foi-lhe diagnosticado em 2006. Operado este ano, viu as contas de hospital e farmácia ser pagas por um fundo criado por músicos. Era a hora de retribuir.
(Obituário publicado no DN a 12 de Agosto de 2007)