quarta-feira, agosto 08, 2007

Mailer: escrever sobre o Mal

Há dez anos que Norman Mailer não publicava um romance (desde o genial The Gospel According to the Son, uma espécie de intimação bíblica sobre as frondosas contradições da personagem de Jesus). Agora, com The Castle in the Forest, o autor de Os Nus e os Mortos propõe-nos uma vertiginosa viagem à infância de... Adold Hitler.
Dizer que se trata de uma "biografia romanceada" será o pior insulto que se poderá lançar contra tão extraordinário livro. De facto, Mailer está longe de procurar inscrever-se na moda do "romance histórico" e seus derivados, antes jogando numa ambivalência que, por princípio, esse modelo não sustenta: a de estabelecer, desde muito cedo, uma relação perversa entre o que é contado e o sujeito que empresta o seu "eu" à narrativa (e, por extensão, claro, o próprio leitor). Que o narrador seja um ex-oficial das SS nazis, eis o que começa por nos fazer pensar num testemunho directo, histórico precisamente, elaborado a partir de um perturbante interior. O certo é que, por volta das páginas 70, tudo se baralha quando percebemos que esse mesmo narrador nos convoca a partir do seu/nosso presente e, mais do que isso, dando conta de poderes que não são propriamente humanos...
A "explicação" de tal bizarria é rápida e concludente. Mais do que isso: vai marcar todo o desenvolvimento do romance que, além do mais, a certa altura se explicita, não como uma biografia "global" de Hitler, antes como uma evocação da sua infância. Mailer revisita, afinal, o metódico e minucioso labor do Mal, em todas as suas facetas e, por vezes, nas suas mais fúteis seduções. The Castle in the Forest é um mergulho estonteante na intimidade possível de qualquer história e também, muito provavelmente, um dos primeiros genuínos clássicos da literatura do século XXI.