quinta-feira, agosto 09, 2007

Discos da semana, 6 de Agosto

Um dos mais estimulantes álbuns de canções feitas de ferramentas electrónicas chega-nos de um texano e mostra por título o nome de uma personagem de um romance de Kurt Vonnegut. Asa Breed é o segundo álbum que Matthew Dear edita em nome próprio e traduz sinais de um desvio das suas atenções da techno para um terreno mais elaborado, onde a canção surge como meta (o que não o impede de, ocasionalmente, desenhar composições instrumentais). Tal como vemos em alguns dos seus contemporâneos (nomeadamente o LCD Soundsystem) algumas escolas pop de 80 são aqui terreno de consulta a uma música que, todavia, aposta na sua recontextualização em cenários do presente e não em simples soluções de nostalgia convocada. O que mais encanta neste álbum de Matthew Dear é a forma como soube adaptar as arquitecturas estruturais da sua música às exigências da canção. Aqui, sublinhe-se, muito importa também a tomada de consciência de uma pulsão narrativa que, nos últimos três anos, juntou pequenos contos existencialistas em cenário suburbano para deles fazer as canções que agora aqui escutamos. A sua voz por vezes lembra a de Tunde Adebimpe, dos TV On The Radio (e em Deserter encontramos até uma canção que quase poderia ter saído de Return To Cookie Mountain, caso o disco tivesse optado por uma arquitectura suportada por electrónicas). Mas é em Arthur Russell que encontramos a referência central a esta feliz transformação em Matthew Dear. Como ele mostra-nos uma tocante fragilidade na voz que contrasta com a solidez das estruturas electrónicas e rítmicas. Como nele, revela-se uma sensibilidade melodista impressionante, capaz de resolver grandes ideias no simples formato de uma canção. O disco serve, em doses bem distribuídas, sugestões de luz e sombra, hipnotismo e sedução, cenários minimalistas ou texturas milimetricamente elaboradas. Imperdível!
Matthew Dear
“Asa Breed”

Ghostly International / Importação Flur
4/5
Para ouvir: MySpace


Apesar da sua relativa pouca visibilidade nos media, o colectivo Githead é a morada actual de figuras de indubitável relevo na história da música pop alternativa. Colin Newman (dos Wire) e Malka Spigel (Minimal Compact) são os dois pilares de um quarteto que conta ainda com a presença de Robin Rimbaud (Scanner) e do também ex-Minimal Compact Max Franken. Depois de um EP de estreia em 2004 e um primeiro álbum, eis que regressam com Art Pop, um disco que em tudo faz jus ao que o título sugere. Não será um disco de experimentação arty de novas formas e linguagens, antes um terreno de interessante síntese de ideias colhidas ao longo de respeitáveis carreiras por outros azimutes, que aqui se juntam num momento de reflexão e partilha. Art Pop não é um disco retro (nem tenta chamar a atenção dos que hoje se alimentam das heranças do filão que os anteriores projectos destes músicos, particularmente os Wire, ajudaram a criar). Na verdade, Art Pop parece ser o ponto de continuação de uma certa lógica de sistematização de terrenos já pisados que os Wire mostravam em álbuns como Manscape (1990) e The First Letter (editado apenas como Wir, em 1991). Ou seja, concilia as genéticas pós-punk dos dias de Chairs Missing (1978) com a curiosidade electrónica expressa em A Bell Is A Cup... Until It Is Struck (1988), afastando-se portanto de uma vontade de revisitação sumária de Pink Flag (1977) que se sentiu morar na reunião do grupo, em 2003. Por outro lado, aqui encontramos também a projecção do sentido de ecletismo e adorno que era característico do som dos israelitas Minimal Compact, sendo a voz de Malka Spigel (nem sempre presente) um incontornável reflexo dessa memória. Art Pop não refaz a história. Mas da obra de cada um dos seus elementos capta pistas que se somam num disco pop absolutamente saboroso. Inteligente, sóbrio, leve, luminoso.
Githead
“Art Pop”
Swim / Ananana
4/5
Para ouvir: MySpace


Depois do fim dos Microdisney, Sean O’Hagan fundou os High Llamas e, com eles, um combo que lhe permite dar largas a um leque de ícones, movimentos e épocas que muito admira. A afinidade com Brian Wilson é evidente e recorrentemente sublinhada. Os High Llamas contudo não são meros herdeiros dos Beach Boys e ponto final. Pelo contrário, aceitam de Brian Wilson as melhores lições na composição, no desenho de linhas vocais e nos arranjos. E acrescentam temperos colhidos desde ecos do Hawaii a paisagens de Copacabana, passando por Burt Bacharah, o vasto território lounge e as mais garridas cerejas que desejem lançar sobre o bolo. Isto sem evitar contaminações de digestão menos rápida, frequentemente visitando terrenos de sugestão textural que lembram os Stereolab (amigos, de resto, e frequentes colaboradores). Can Cladders não foge ao que conhecemos dos High Llamas. Sabe a Verão, cruza lounge, junta pontual dose de ska, sugere ligeiros climas jazzy, garantindo a coesão entre o conjunto de canções por uma transversal presença de belos arranjos de cordas e uma abordagem vocal sempre cool. Ou seja, em terreno próximo dos Pink Martini, mas em “bem feito” e sem jogos de oportunismo em busca do tempero da saison. Um belo disco para fins de tarde de Verão.
The High Llamas
“Can Cladders”

Drag City / Ananana
3/5
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Em pleno Agosto, mais uma sugestão de uma banda sonora ideal para um perfeito fim de tarde e início de noite. A capa, um belíssimo exercício de manipulação sugere, sob um pôr do sol, um reflexo de vida urbana na placidez das águas de uma orla de lago ou rio. E é esse o sentido da música que aqui encontramos. Uma música que parte das mecânicas de construção do som urbano contemporâneo, encontrando contudo um patamar de entendimento com sugestões de liberdade e espaço que associamos mais claramente a paisagens rurais. De resto, a pontual sugestão folky da guitarra acústica que se ouve no tema de abertura (onde se revela ainda uma certa curiosidade pelas dinâmicas do prog) sublinha esse cruzamento de mundos que aqui pode ser sugerido. O álbum representa a estreia a solo, neste formato, de Paul Murphy, que em tempos militou no colectivo Akwaaba, força reconhecida da cena nu-house britânica nos anos 90. Na sua encarnação enquanto Mudd, sugere neste Claremont 56 uma viagem feita se estímulos sonoros, pelo que pode ser um fim de tarde e início de noite. C40, a abrir, sugere o calor de fim de tarde, manifestado em jogos para guitarras que sugerem protagonismo sobre texturas electrónicas ao fundo. Segue-se uma etapa que revela o aflorar de linhas de baixo e padrões rítmicos que, mesmo insistentes, nunca abandonam uma certa preguiça de fim de dia, até à espantosa erupção nu-disco que escutamos ao som de 54B. O alinhamento caminha depois rumo a uma fase final na qual laivos jazzy e marcas de presença soul tomam conta dos acontecimentos.
Mudd
“Claremont 56”

Rong Music / Última
4/5
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Nem todas as reuniões dão em desgraça. E um bom exemplo de fuga à norma pode ser encontrado no álbum que assinala o reencontro dos Crowded House, banda australiana sob o comando do neo-zelandês Neil Finn. Time On Earth é o quinto álbum de originais da banda e só não é o melhor do grupo porque a memória de 1991 nos obriga a recordar o belo Woodface. E porque não desiludem os Crowded House? Porque ao assumir o regresso o fazem pelas premissas de uma linguagem que é sua, que conhecem, mantendo igualmente firme uma vontade em assegurar uma composição ao nível do que a sua discografia já mostrou no passado. Desde 1986 os Crowded House jogam num campeonato pop de travo clássico, tendo os Beatles, os Byrds ou Crosby Stills & Nash entre as mais evidentes das suas referências. Não são, nunca foram, nem serão, uma banda com grandes desejos alternativos. Antes, e num terreno que nos deu já grupos como uns Prefab Sprout ou Lloyd Cole & The Commotions, um colectivo dedicado à reinvenção das premissas mais clássicas da canção pop, com base de sustentação numa personalidade autoral (neste caso a de Neil Finn). Time On Earth exibe novamente a mestria na composição de Finn, mantendo firme uma linguagem nos arranjos que decorre ainda do paradigma encontrado em Woodface. Reconhece-se todavia a presença de Steve Lillywhite nas canções que lhe foram confiadas a produzir, sobretudo a festiva She Called Up, a pérola pop maior deste disco. Outra presença inesperada é a de Johnny Marr, que toca guitarra em duas canções.
Crowded House
“Time On Earth”
Parlophone / EMI
3/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Devotchka, Kula Shaker, Dave Matthews & Tim Reynolds, Test Department, G Dudamel (Mahler), Ocean Colour Scene (best of), Terence Blanchard, Blue States, Stranglers (best of), Laurent Garnier

Brevemente:
13 de Agosto: Anne Sofie Von Otter, Blue States, Architecture In Helsinki, Hallam Foe (BSO), Kanye West, Richard Hawley, Elvis Presley (reedições), Kosheen, Modest Mouse (ed. Local)
20 de Agosto: Elvis Presley (mais reedições), New Young Pony Club (ed local)
27 de Agosto: Pink Floyd (Piper At The Gates of Dawn – caixa), Super Furry Animals, Luke Vibert, VHS or Beta

Setembro: Animal Collective, Lambchop, Mazgani, Go! Team, Múm, PJ Harvey, Clã, Kanye West, Joe Henry, Broken Social Scene, Siouxsie, U2 (DVD), Hard Fi, Turin Brakes, Manu Chao, Debbie Harry, Gorky’s Zygotic Mynci, Frank Black, Simon & Garfunkel (live 1969), Jona Lewie (reedição), Squeeze (reedições)
Outubro: David Fonseca, Robert Wyatt, Junior Boys, Devendra Banhart


Estas datas podem ser alteradas pelas editoras a todo o momento