quinta-feira, agosto 02, 2007

Discos da semana, 30 de Julho

Não consta (ou pelo menos ainda ninguém o fez constar) das agendas de edição discográfica nacional um dos mais curiosos álbuns de estreia do ano. O disco apresenta os Shady Bard, um quinteto oriundo de Birmingham (Reino Unido) com educação feita em escolas de música e vontade evidente em não fazer dos seus discos apenas um baú de canções para ouvir ater que cheguem as seguintes. Numa altura em que tudo é (ou quer ser) verde, os Shady Bard, apesar da capa castanha do álbum, são genuinamente verdes. As suas canções soam a verdadeiras reflexões sobre o mundo em que vivemos, a natureza, o ambiente, a acção do homem sobre o mundo. Sem panfletarismos fáceis, sem o verde por fora (e outras cores e interesses por dentro) de muitos outros recentes convertidos à maré cor de relva. A honestidade da postura ambientalista dos Shady Bard é sublinhada não só pela política de edição adoptada (que revela, por exemplo, capas fabricadas a partir de materiais reciclados e montadas à mão) como por uma música que casa com todo o edifício ético que se apresenta. Suportada por uma voz expressiva, plácida mas não necessariamente melancólica, esta é uma música essencialmente acústica, que aceita a presença de instrumentos diversos, reunidos sob cuidados e contidos arranjos que nunca perdem a noção de quem quer ter os pés na terra. From The Ground Up mora algures entre a assimilação de heranças na pop e na folk, e não esconde que nas prateleiras das casas destes músicos devem morar discos dos Sigur Rós, Gorky’s Zygotic Mynci ou Belle & Sabastian. O apelo bucólico e pastoral afasta-os de recentes manifestações de curiosidade folk via pop (como os Guillemots ou Larrikin Love), aqui residindo uma proposta sólida e cativante que vale a pena ouvir.
Shady Bard
“From The Ground Up”
Static Caravan
4/5
Para ouvir: MySpace


Antes mesmo de chegar aos escaparates, Planet Earth, de Prince, era já um dos mais falados entre os discos do momento. E tudo por conta de uma eficaz manobra de ‘promoção’ ligada a um jornal inglês (o Mail On Sunday), que assegurou a distribuição de perto de três milhões de exemplares do álbum um dia antes do seu lançamento em loja pelo mundo fora. Convenhamos que valeu a pena todo o burburinho criado no Reino Unido. Até porque, num músico a editar um 24º álbum de originais, e cada vez mais longínqua sendo a memória dos seus dias melhores, a Planet Earth poderia estar votado o discreto (e algo injusto) destino de Musicology e 3121. Confirmando o reencontro com a boa forma que já se escutara nesses dois últimos discos, Planet Earth dá a prince o seu melhor disco desde Lovessexy (de 1988). As guitarras (e uma reencontrada seiva rock’n’roll) correm entre um lote de dez canções, nenhuma delas menor. É verdade que certamente serão irrepetíveis os feitos dos quatro álbuns de “cinco estrelas” que, sem excepção, editou entre 1984 e 87 - a saber, Purple Rain, Around The World In A Day, Parade e Sign Of The Times. Mas Planet Earth é, de todos os seus álbuns pós-80, o que mais se aproxima do sentido de excelência na composição, versatilidade nas formas e pujança pop desses tempos. O alinhamento abre ao som do tema-título, balada consistente e bem distante do template lamecha instituído nos anos 90. ‘Guitar’, logo a seguir, mostra consistência rock’n’roll de genética 1999. Por seu lado, The One U Wanna See é festa pop ao jeito de Prince no seu melhor, como o fez no passado em Litle Red Corvette ou Cream. Não falta uma incursão jazzy, um devaneio soul, um surto de euforia disco. E, claro, o eterno funk.
Prince
“Planet Earth”

NPG Records / SonyBMG
4/5
Para ouvir: MySpace


A França volta a jogar cartas no campeonato da música de dança (que, a bem da verdade, já aguardava há algum tempo a chegada de eventuais novos heróis). Desta feita na berlinda moram dois músicos (Gaspard Augé e Xavier de Rosnay), que viveram a descoberta de Homework, dos Daft Punk, na adolescência, aí encontrando um código de valores que os não mais abandonou. Depois de trabalhar como designers gráficos, juntaram-se sob a designação Justice para se ver agora transformados nos autores de um dos discos-sensação do ano. O entusiasmo talvez seja, contudo, um tanto excessivo. O álbum, que simplesmente se apresenta com o nome do símbolo da cruz que ostenta na capa (para simplificar, há quem lhe esteja a chamar, simplesmente, Cross), é uma colecção de momentos de cuidado design de som, feitos de batidas fortes, notas gordas e pulsão física evidente, numa linha de herança que se reconhece com fundações nos Daft Punk. Porém, uma face de “assombramento” digital domina as construções musicais, pintando-as com ares de mistério o que, junto das evocações evidentes das genéticas electro e pontuais discretas incursões pelo legado festivo do disco (departamento Cassius) assegura a esta cruz uma identidade peculiar. As composições revelam um sentido de cautela nas formas que se adivinhava em almas criativas formadas no design. Porém, ao disco falta um apelo de diversidade que transforme estas sugestões e ideias num conjunto de faixas que sustentem a duração de um álbum sem cansar aqueles que não vivam esta fé com a mesma intensidade dos seus admiradores. Falta a elegância de um Lindstrom ou o ecletismo de uns Chemical Brothers. O que não retira à dupla francesa os louros de ter criado uma das mais eficazes ideias dançáveis do ano.
Justice
“(cross)”
Because / Warner
3/5
Para ouvir: MySpace


A música electrónica está a viver um ano de boas ideias e bons discos. Mais um exemplo chega de Baltimore (EUA), através do projecto lo-fi de Dan Deacon. Com educação musical clássica e posteriores estudos em electroacústica e música electrónica, Dan Deacon promove através das suas composições um verdadeiro festim de acontecimentos. Numa aparente cacofonia de referências ordena e estrutura canções que cruzam o sentido formal da pop com devaneios de liberdade nos quais os temperos arrebatam as atenções. O recurso à memória do genérico dos desenhos animados de Woody Woodpecker, na faixa com o mesmo nome, é um exemplo claro (e cativante) desta mesma forma de agir. Mas não se resumem a estratégias de reconhecimento (como neste caso) as estratégias de sedução na música de Dan Deacon. Apesar de eventuais presenças referenciais de obras como as dos Neu!, Kraftwerk ou Steve Reich, uma personalidade interventiva domina os exercícios de construção aqui apresentados. Loops ordenados, ruídos devidamente integrados e sugestões melódicas (ora digitais, ora cantadas) abrem evidentes pontes para com os universos da pop, como num jogo de reinvenção de formas, a princípio intrigantes, logo depois assimiladas e integradas. Com fuga para um patamar de desafio conceptual mais arrojado em Wham City, tema que dedica ao espaço de intervenção artística com o mesmo nome no qual vive integrado. Há quem diga que esta parece uma música para videojogos. Talvez, mas sem nos obrigar a jogar e carregar em botões para ter de a ouvir.
Dan Deacon
“Spiderman Of The Rings”
CarPark Records / Flur
3/5
Para ouvir: MySpace


O excesso de criatividade (ou a falta de vontade em aplicar-lhe filtros) pode por vezes conduzir músicos com grande potencialidades a grandes becos. E é por aí que hoje encontramos Mike Patton. Longe dos Faith No More ou Mr Bungle., os seus projectos actuais mais parecem bancos de teste em laboratório que conclusões prontas a apresentar a quem não esteve, de bata, a trabalhar com os mesmos tubos de ensaio. O terceiro álbum que apresenta no colectivo Tomahawk (agora reduzido a trio) parte de uma ideia potencialmente mais desafiante que as que conduziram os álbuns editados em 2001 e 2003. Duane Dension (guitarrista dos Jesus Lizard e verdadeiro mentor deste projecto) aproveitou uma digressão por reservas índias para aí encetar um processo de recolha musical. E é dessas recolhas que nasce o que apresentam em Anonymous. O álbum, contudo, parece meio perdido entre uma aparente vontade em ser fiel às memórias convocadas da música nativa norte-americana, e a fuga para a abstracção que por vezes toma conta dos universos em redor de Patton. O resultado é um álbum com pontuais momentos válidos, mas muita tecelagem de texturas e formas que deitam por vezes por terra a paciência do ouvinte.
Tomahawk
“Anonymous”
Ipecac / Sabotage
2/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Motown Box – Vol 7 (singles de 1967), Love, Coral, Osvaldo Golijov, Richard Thompson, Spoon

Brevemente:
6 de Agosto: Devotchka, Kula Shaker, Dave Matthews & Tim Reynolds, Test Department, G Dudamel (Mahler), Ocean Colour Scene (best of), Terence Blanchard, Blue States, Stranglers (best of), Laurent Garnier
13 de Agosto: Anne Sofie Von Otter, Architecture In Helsinki, Hallam Foe (BSO), Kanye West, Richard Hawley, Elvis Presley (reedições), Kosheen, Modest Mouse (ed. Local)
20 de Agosto: Elvis Presley (mais reedições)
27 de Agosto: Pink Floyd (Piper At The Gates of Dawn – caixa), Super Furry Animals, Luke Vibert, VHS or Beta

Setembro: Animal Collective, Lambchop, Mazgani, Go! Team, Múm, PJ Harvey, Clã, Kanye West, Joe Henry, Broken Social Scene, Siouxsie, U2 (DVD), Hard Fi, Turin Brakes, Manu Chao, Debbie Harry, Gorky’s Zygotic Mynci, Frank Black, Simon & Garfunkel (live 1969), Jona Lewie (reedição), Squeeze (reedições)
Outubro: David Fonseca, Robert Wyatt, Junior Boys


Estas datas podem ser alteradas pelas editoras a todo o momento