Rotas e destinos
De que se fala, então, quando se fala de ficção científica? Para Tomas M. Disch (em The Dreams Our Stuff Is Made Of: How Science Fiction Conquered The World, de 1998), a ficção científica dos últimos 50 anos foi profecia para os convertidos e mecanismo amplificador de desilusão para os desencantados. E, sem receio, conclui que “algumas das mais relevantes realidades do contexto histórico actual têm raiz num modo de pensar que aprendemos na ficção científica”. Uma sugestão de realismo através da ficção, que se compadece com uma ideia da escritora Úrsula Le Guin, que num ensaio de 1989 remata que a “ficção científica bem concebida, como qualquer ficção séria, mesmo que humorística, é uma forma de tentar descrever o que está a acontecer na realidade, o que as pessoas sentem de facto, aquilo com que nos relacionamos nesta barriga do universo”.
Daí que a evolução das temáticas centrais na história da literatura de ficção científica tenha acompanhado, de perto, as grandes descobertas e invenções, os medos e ansiedades, os factos e as grandes personagens. As primeiras manifestações do género, no século XIX, falam de máquinas incríveis, de mundos perdidos (estávamos na era das grandes explorações geográficas), da teoria da evolução. Com a alvorada do século XX, a cidade tomou maior protagonismo, assim como a consciência de possíveis futuros sombrios. O primeiro voo dos irmãos Wright fez as histórias levantar mais ainda do solo, rumar mais além (inclusivamente no tempo). Em 1924, o checo Karel Capek apresentou o termo robot na peça R.U.R., nascendo aí um importante novo filão de histórias, umas de mutualismo, outras de medo. Contra a Grande Depressão, depois de 1929, os anos 30 trouxeram à ficção científica, temas escapistas de luz, mas também de novo génio tecnológico.
A idade atómica e os avanços nas tecnologias de voo decorrentes de programas militares desviou atenções para o espaço, num tempo de erupção de textos em revistas da especialidade (as pulps), entre as quais a Amazing Stories (criada em 1926) e a Astounding Science Fiction (criada em 1930 originalmente como Astounding Stories), e os muitos sucedâneos como a Planet Stories, a Startling Stories e Captain Future. A ficção científica afirmava-se, apesar de raras contribuições de outros pólos, uma realidade literária essencialmente anglo-americana, moderna e capitalista (mesmo que por vezes crítica de si mesma). Na Europa comunista, quaisquer visões de futuro que colocassem em causa as previsões segundo os modelos marxista-leninistas, eram indesejadas, portanto silenciadas.
Num tempo de explosão de produção de ficção científica de série B no cinema, multiplicaram-se nos anos 50 os livros com histórias de discos voadores e contactos com alienígenas. A guerra-fria gerou, pouco depois, textos pós-apocalípticos num tempo também de exploração de novos sonhos e ideias e de reflexões sobre máquinas pensantes. O sucesso das primeiras missões tripuladas projectou histórias de vida no espaço na década de 70, explorando intensamente os confins do sistema solar, sobretudo Marte, alvo de inúmeros textos entre os anos 80 e 90. Importantíssima evolução temática (e estética) ainda nos anos 80, o advento do cyberpunk trouxe novas visões, introduzindo o homem em sistemas cibernéticos, frequentemente em sombrias cidades dominadas por novas ordens políticas (ou económicas).
Hoje a ficção científica procura outros destinos. Com a agenda ecológica no centro das atenções, o aquecimento global e evidentes irregularidades meteorológicas já mensuráveis, publicam-se histórias de novas utopias (com paradigma no fundamental Ecotopia, de Ernest Callenbach) ou de grandes catástrofes provocadas pela má gestão do planeta pelo homem (como se pode ler na trilogia que Kim Stanley Robinson terminará este ano). Contaminada pelo cinema e televisão e, agora, também pelos videojogos, a ficção científica procura expressar hoje as ansiedades do novo milénio. Ideias lançadas pelo cyberpunk foram assimiladas pela cultura mainstream, havendo quem, como Scott Bukatman, aponte esta expressão da cibercultura como elemento estrutural do pós-modernismo. Em Terminal Identity: The Virtual Subject In Postmodern Science Fiction, defende que vivemos num tempo e lugar que visionamos já como de ficção científica. Mas deixará o homem, mesmo ciente das suas limitações, de sonhar novas utopias, mesmo que sob a forma de pesadelos, a tempo de os evitar?
No estudo semiótico SF as a Megatext (1992), Damien Broderick descreve este género como “um espaço mais ou menos heterodoxo de ícones, imagens e ideias que servem de material intertextual através do qual autores de ficção científica constroem os seus mundos imaginativos, e pelo qual quem os lê aplica as suas competências como leitor, aí nascendo a sua capacidade para compreender esses mesmos mundos”.~
De que se fala, então, quando se fala de ficção científica? Para Tomas M. Disch (em The Dreams Our Stuff Is Made Of: How Science Fiction Conquered The World, de 1998), a ficção científica dos últimos 50 anos foi profecia para os convertidos e mecanismo amplificador de desilusão para os desencantados. E, sem receio, conclui que “algumas das mais relevantes realidades do contexto histórico actual têm raiz num modo de pensar que aprendemos na ficção científica”. Uma sugestão de realismo através da ficção, que se compadece com uma ideia da escritora Úrsula Le Guin, que num ensaio de 1989 remata que a “ficção científica bem concebida, como qualquer ficção séria, mesmo que humorística, é uma forma de tentar descrever o que está a acontecer na realidade, o que as pessoas sentem de facto, aquilo com que nos relacionamos nesta barriga do universo”.
Daí que a evolução das temáticas centrais na história da literatura de ficção científica tenha acompanhado, de perto, as grandes descobertas e invenções, os medos e ansiedades, os factos e as grandes personagens. As primeiras manifestações do género, no século XIX, falam de máquinas incríveis, de mundos perdidos (estávamos na era das grandes explorações geográficas), da teoria da evolução. Com a alvorada do século XX, a cidade tomou maior protagonismo, assim como a consciência de possíveis futuros sombrios. O primeiro voo dos irmãos Wright fez as histórias levantar mais ainda do solo, rumar mais além (inclusivamente no tempo). Em 1924, o checo Karel Capek apresentou o termo robot na peça R.U.R., nascendo aí um importante novo filão de histórias, umas de mutualismo, outras de medo. Contra a Grande Depressão, depois de 1929, os anos 30 trouxeram à ficção científica, temas escapistas de luz, mas também de novo génio tecnológico.
A idade atómica e os avanços nas tecnologias de voo decorrentes de programas militares desviou atenções para o espaço, num tempo de erupção de textos em revistas da especialidade (as pulps), entre as quais a Amazing Stories (criada em 1926) e a Astounding Science Fiction (criada em 1930 originalmente como Astounding Stories), e os muitos sucedâneos como a Planet Stories, a Startling Stories e Captain Future. A ficção científica afirmava-se, apesar de raras contribuições de outros pólos, uma realidade literária essencialmente anglo-americana, moderna e capitalista (mesmo que por vezes crítica de si mesma). Na Europa comunista, quaisquer visões de futuro que colocassem em causa as previsões segundo os modelos marxista-leninistas, eram indesejadas, portanto silenciadas.
Num tempo de explosão de produção de ficção científica de série B no cinema, multiplicaram-se nos anos 50 os livros com histórias de discos voadores e contactos com alienígenas. A guerra-fria gerou, pouco depois, textos pós-apocalípticos num tempo também de exploração de novos sonhos e ideias e de reflexões sobre máquinas pensantes. O sucesso das primeiras missões tripuladas projectou histórias de vida no espaço na década de 70, explorando intensamente os confins do sistema solar, sobretudo Marte, alvo de inúmeros textos entre os anos 80 e 90. Importantíssima evolução temática (e estética) ainda nos anos 80, o advento do cyberpunk trouxe novas visões, introduzindo o homem em sistemas cibernéticos, frequentemente em sombrias cidades dominadas por novas ordens políticas (ou económicas).
Hoje a ficção científica procura outros destinos. Com a agenda ecológica no centro das atenções, o aquecimento global e evidentes irregularidades meteorológicas já mensuráveis, publicam-se histórias de novas utopias (com paradigma no fundamental Ecotopia, de Ernest Callenbach) ou de grandes catástrofes provocadas pela má gestão do planeta pelo homem (como se pode ler na trilogia que Kim Stanley Robinson terminará este ano). Contaminada pelo cinema e televisão e, agora, também pelos videojogos, a ficção científica procura expressar hoje as ansiedades do novo milénio. Ideias lançadas pelo cyberpunk foram assimiladas pela cultura mainstream, havendo quem, como Scott Bukatman, aponte esta expressão da cibercultura como elemento estrutural do pós-modernismo. Em Terminal Identity: The Virtual Subject In Postmodern Science Fiction, defende que vivemos num tempo e lugar que visionamos já como de ficção científica. Mas deixará o homem, mesmo ciente das suas limitações, de sonhar novas utopias, mesmo que sob a forma de pesadelos, a tempo de os evitar?