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Sementes e raízes
Thomas D. Clarkson, que em 1985 publicou Some Kind Of Paradise: The Emergence Of American Science Fiction, encontra as sementes deste género literário no contexto do impacte das mudanças tecnológicas que o mundo conheceu entre 1870 e 1910, e identifica algumas outras raízes nas velhas histórias de terror e de fantasmas. Num tempo de grandes descobertas científicas, nasce assim “um registo de ficção que reflecte um universo onde o novo surge por virtudes da descoberta de cientistas ou da ingenuidade de inventores e um outro onde lugares estranhos são povoados segundo a lógica da teoria da evolução”, defende Brian Stablefold, um estudioso dos primórdios da ficção científica inglesa. Paul K. Alkon, em Origins Of Futuristic Fiction (1987), localiza em França a proto-história deste domínio literário, em “inovações estéticas” que proporcionaram a sua emergência como género em finais do século XIX, e refere textos como Epigone, Histoire du Siècle Future de Jacques Guttin (1659), L’an 2440 de Louis-Sébastien Mercier (1771) ou Le Roman de L’Avenir de Félix Bodin (1834) como exemplos.
Brian Aldiss (n. 1925), escritor, defende, contudo, num ensaio publicado em 1973, que Frankenstein, de Mary Shelley, publicado em 1818, é o primeiro exemplo concreto de ficção científica e sublinha que, dada a sua origem, este é um género de “demanda de definição para a humanidade e o seu estatuto no universo, que reflecte o nosso avançado, mas confuso, estado de evolução do conhecimento e que é caracteristicamente apresentado num modo gótico ou pós-gótico”.
Que futuro?
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Há quem confunda ficção científica com a vontade de prever o futuro e até quem meça “qualidades” de certos textos pela forma como se aproximaram ou não da realidade, anos mais tarde… Mas esta não é uma arte divinatória, suportando-se a especulação por regras com o grau de liberdade (e ousadia) que o autor souber defender.
Em Terminal Visions: The Literature of Last Things (1982), W.Warren Wagar aponta como papel da ficção científica o retrato da forma com que “uma cultura moribunda, neste caso, a cultura burguesa do Ocidente pós-cristão, escolheu para expressar o declínio da fé em si mesma”. E lembra que, quando a história suplanta o mito como contexto para visões apocalípticas, a ficção especulativa transforma-se no novo lugar ideal para narrativas de escatologia. Romances como The Last Man de Mary Shelley (1826) ou A Máquina do Tempo de H.G: Wells (1895) são, por este prisma, narrativas de “revisão terminal”.
Num outro ensaio, Progress Versus Utopia, Or Can We Imagine The Future?, também de 1982, Frederik Jameson debate a ficção científica como um vasto terreno de narrativas cuja resolução tem apenas por fronteira “o limite que o pensamento não consegue ultrapassar”. Jameson explica ainda que muito do trabalho da ficção científica actual é o de “desfamiliarizar e reestruturar as nossas experiências e o nosso presente” e conclui que, mais que antever um futuro “real”, serve para “transformar o nosso presente no passado de algo que está para vir”. Daí que aponte a ficção científica como um dispositivo que funciona como “marca das limitações actuais da nossa imaginação” mais que uma forma de antecipação, demonstrando-se, assim, o fracasso da imaginação utópica, pelo que a ficção científica acaba “transformada na contemplação dos nossos limites absolutos”.
Tom Moyland, autor de Demand The Impossible: Science Fiction and The Utopian Imagination (1986), estudou uma série de romances de ficção científica dos anos 70 que denotam na sua genética a tradição da literatura utópica, concluindo que as “utopias críticas podem ser lidas como deslocamentos gerados a partir de contradições actuais do inconsciente político”. E, ainda, que as sociedades imaginadas em utopias críticas apontam paradigmas alternativos previsíveis porque, no seu cerne, “identificam um discurso autocrítico como um processo capaz de demolir as redes ideológicas dominantes”.