Numa adaptação muito livre de L'Aigle à Deux Têtes, de Jean Cocteau, Michelangelo Antonioni dirigiu, em 1981, o filme O Mistério de Oberwald. Monica Vitti surgia na teia de um romantismo austero, quase cruel, austeridade e crueldade agudizadas pelo facto de Antonioni ter filmado em... video!
Na altura, importa recordá-lo, a sofisticação técnica e as opções videográficas nada tinham que ver com o desenvolvimento a que se assistiu em anos recentes. Antonioni filmava em video para afirmar uma alternativa clara e, por assim dizer, utópica -- o cinema, afinal, podia continuar por outros meios. Ou ainda: a película não era a matéria sagrada dos filmes e tudo voltava a ser possível.
Escusado será dizer que, mais de 25 anos depois, a escolha de Antonioni se inscreveu na história das formas cinematográficas como um exercício de radical pioneirismo, precedido por poucos (Jean-Luc Godard fizera o seu videográfico Número Dois no ano de 1975). Era a prova real de que cinema e televisão se podem (re)converter incessantemente, contaminando-se, sem alienar a sua especificidade.