quarta-feira, maio 16, 2007

A televisão (não) é um drama

Na segunda-feira à noite, na RTP 1 (Prós e Contras), o jornalista António Esteves Martins assumiu uma posição salutar. A propósito da menina inglesa desaparecida no Al-garve, lembrou que o trata-mento mediático do assunto não foi homogéneo e que alguns órgãos de informação ingleses traçaram um retrato primário de Portugal e dos portugueses.
Não se percebe, no entanto, por que razão o mesmo jornalista prolongou a sua intervenção num tom bem diferente, quase apologético, lembrando outros casos “semelhantes” que a polícia inglesa não conseguiu esclarecer... Qual é a relação de uma coisa com a outra? Estamos a tentar lidar com um assunto que a todos perturba? Ou estamos apenas a procurar efeitos de “espectáculo”, transformando aquilo que é complexo em anedótico ou panfletário?
O problema de discursos deste género não está tanto no seu simplismo humano, como na sua frugalidade analítica. Há neles, por certo, uma enorme boa vontade face sofrimento de uma família confrontada com o desaparecimento de uma criança. Mas falta-lhes a capacidade de perceber que não se acrescenta nada de (jornalisticamente) pertinente quando se passa da crueza dos factos para a dança das suposições ou, pior um pouco, para a festiva especulação sobre o que poderia ter sido... mas não foi.
Não é agradável reconhecê-lo (é mesmo profundamente incómodo), mas o “caso Madeleine” veio provar que grande parte da informação televisiva passou a estar contaminada pela lógica da reality TV. As suas duas leis essenciais são: primeiro, a transformação do privado em tema quotidiano de especulação; segundo, a assunção pela televisão de um papel de instituição normativa, supostamente “acima” do próprio tecido social que reflecte.
São problemas que excedem a mera contabilidade do “muito” ou “pouco” tempo dedicado a um determinado assunto, já que decorrem do facto de a televisão se apresentar como tribunal de uma “verdade” colectiva a que, em última instância, todos nos deveríamos submeter. Não existe, por isso, nenhuma diferença mediática entre o tratamento do “caso Madeleine” e as muitas horas que, noutras circunstâncias, foram dedicadas aos conflitos futebolísticos do “caso Gil Vicente”. Há, por certo, uma distância incomensurável entre o drama do primeiro e a banalidade do segundo, mas o olhar televisivo permanece o mesmo.