sexta-feira, maio 25, 2007

Há 30 anos, numa galáxia distante...

Ninguém imaginava, há 30 anos, que a frase "há muito tempo, numa galáxia muito, muito distante..." se tornaria tão emblemática como o "play it again" de Casablanca ou o "shaken, not stirred" de James Bond. Imaginada por George Lucas na alvorada de 70, e levada ao ecrã pela primeira vez a 25 de Maio de 1977, A Guerra das Estrelas revelar-se-ia mais do que um simples filme de sucesso. Inscreveu definitivamente a ficção-científica no mainstream, revolucionou a indústria, instituiu a importância económica do merchandise , colocou a Industrial Light and Magic na pole position das empresas de efeitos especiais e transformou George Lucas num milionário. Um conto de fadas galáctico transformado num fenómeno planetário.

Já se fazia ficção-científica desde Meliès. O género já havia produzido clássicos absolutos como Metropolis de Fritz Lang ou A Vida Futura de William Cameron Menzies. Experimentara o sabor do blockbuster e seus primeiros milhões de dólares com O Homem Que Veio do Futuro (Franklin J. Schaffner) e 2001 Odisseia no Espaço (Stanley Kubrick), ambos de 1968. Mas nunca até então o género havia conhecido tamanha capacidade de sedução global, numa história com naves velozes, exércitos estelares, raios laser, robôs e povos bizarros. A ideia da saga remonta a primeiros rabiscos em 14 páginas escritas à mão por George Lucas em 1973. Durante os anos seguintes foi aperfeiçoando a ideia, que a dada altura passou pela história de um general de 60 anos chamado Luke Starkiller (mais tarde seria Skywalker e consideravelmente mais novo). Um dos personagens era um tal Han Solo, então um humanóide verde com guelras. Havia um vilão de nome Darth Vader. E um poder místico a que chamou a "força".

Desenvolvido por Lucas como um conto moral, herdava o seu entusiasmo pelos estudos de Joseph Campbell sobre as mitologias das diversas culturas e suas ligações. De certa forma, criava um compósito da Odisseia , Beowulf e lenda do Rei Artur (com pitada Tolkien) e projectava as ideias num tempo distante e numa galáxia longínqua. Os arquétipos estão aqui todos: o jovem aventureiro com quem o espectador se quer identificar, a donzela em perigo, o velho sábio, o vilão e os personagens divertidos capazes de assegurar o necessário comic relief. Devidamente apurada, a história (que começou por ser um filme, depois esticada a três e finalmente contada em seis) cruzou inteligentemente as regras do cinema de aventuras com as ideias clássicas da space opera (evocando os velhos serials de Flash Gordon e Buck Rogers que Lucas vira na infância), numa espécie de versão revista e adaptada do velho combate entre o bem e o mal. Nem faltam os espadachins, só que desta vez munidos de sabres de luz, a arma nobre dos cavaleiros Jedi

A América de 70 era um mundo diferente do que hoje conhecemos. Depois de Watergate, do Vietname, o país encarava a ideia do herói com cinismo. Os filmes-catástrofe somavam êxitos.

No final dos anos 60 os donos dos estúdios começaram a vendê-los às grandes corporações. E estas não perderam tempo para estudar o mercado, verificando haver um apetite alargado de cinema para plateias jovens (fenómeno idêntico ao que as editoras discográficas conheceram em meados de 50 diante da explosão rock'n'roll). Perante a ascensão da televisão, o velho studio system estava em colapso e os executivos de Hollywood viraram-se para as universidades em busca de novos realizadores. Encontraram assim nomes como os de Coppola, De Palma, Scorsese, Carpenter, Spielberg e... Lucas (na foto). Este último havia conquistado algumas atenções com THX-1138 , curta de ficção-científica realizada no quadro curricular. Em 1971, dois anos depois de se juntar a Coppola na Zoetrope, estende o filme a longa-metragem. O estúdio assustou-se, o público também. Mas a semente criativa germinou. Em 1974, com o rascunho de A Guerra das Estrelas na mão, Lucas bateu, debalde, às portas dos estúdios. Só encontrou "força" em Alan Ladd Jr, que então dirigia o gabinete criativo da 20th Century Fox. Acreditou e apostou. Com o sucesso recente do seu American Graffiti, George Lucas assinou o contrato para fazer o seu filme. E, golpe de génio, desde logo fez um gesto que asseguraria o sucesso da operação, sua continuidade e gestão nas suas mãos: por contrato, Lucas não só chamava a si o controle do merchandise (coisa até então nunca vista) como garantia a possibilidade de filmar as sequelas. Isto porque, depois de transformado o rascunho em argumento, verificara que só o primeiro terço da história dava para um filme.

Em sucessivas batalhas por orçamento e tempo, a rodagem e produção de A Guerra das Estrelas foi, por si só, um caso épico. Para garantir a qualidade dos efeitos desejados (o supra-sumo do género era ainda o 2001 de Kubrick), Lucas cria então a sua própria companhia, a Industrial Light and Magic. A aposta em actores quase desconhecidos e uma história que parecia brincadeira infantil garantia suores frios e pesadelos aos executivos. Mas quando o filme finalmente estreou, para espanto e impacto global, em 1977, ninguém (talvez nem mesmo Lucas) esperava que o fenómeno atingisse a dimensão que alcançou. Entre 1977 e 1983 Lucas completou a sua saga. Depois de A Guerra das Estrelas, que revelou as figuras de Luke, Leia, Han Solo, Obi Wan, os robôs C3P0 e R2D2, o vilão Darth Vader e todo um espírito de revolta rebelde contra o poder de um império belicista, seguiram-se o intermédio (e mais sombrio) O Império Contra-Ataca (realizado por Irvin Kershner em 1980) e o triunfante O Regresso de Jedi (de Richard Marquand, 1983). Missão cumprida. Império derrotado. A "força" estava com ele.
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Mas depressa George Lucas sentiu o desejo (e sede popular) por mais. Tinha de contar como a história tinha ali chegado. Quem era Darth Vader antes de ser seduzido pelo lado negro da "força"? Como era o universo sobre a ordem dos Jedi? Como havia o Imperador corrompido a galáxia? Sem a tecnologia com que sonhava para dar forma ao desejo, optou por esperar. E quando viu os dinossáurios digitalmente criados para o Parque Jurássico de Spielberg sentiu chegada a hora. Começou por retocar os filmes da primeira saga. E logo encetou o trabalho numa nova trilogia, o primeiro episódio da qual estrearia em 1999 sob o título A Ameaça Fantasma. Tecnicamente mais apurado, O Ataque dos Clones (2002) continuou a história que encerra no´negro A Vingança dos Sith . O passado cumpre-se. As peças entram no jogo no lugar certo. Darth Vader ergue-se do corpo mutilado de Anakin Skywalker. O fim da saga, que é afinal o começo da primeira, fecha o ciclo em 2005, E depois? Livros e jogos já piscaram o olho ao futuro. E George Lucas, mesmo afirmando que irá fazer algo completamente diferente, não abandonará o sonho da sua vida. Já se fala numa série de televisão. Numa versão 3D... A "força" irá continuar connosco.
PS. Versão editada de um texto publicado no DN em 2005