sexta-feira, maio 18, 2007

Em conversa: Rufus Wainwright (3)

A concluir uma entrevista com Rufus Wainwright, ficam as reflexões do homem político e memórias de uma etapa difícil na sua vida.

Está atento aos noticiários?
Não sou um grande leitor de jornais, mas falo muito. Mas leio jornais, sim. Mas pasmo quando ouço as pessoas a reconhecer que Ratzinger é um conservador mas, depois, ao vê-lo na varanda de S. Pedro, a sorrir, exclamam que parece tão simpático!

Sente a necessidade de ser político nas suas canções? Já o fez com Gay Messiah
Sim, fi-lo com Gay Messiah. E com o Waiting For A Dream… Sou uma criatura do meu tempo que está afectada por esta investida de conservadorismo. Nunca tinha imaginado ser, alguma vez, político! Era uma coisa que me parecia até entediante. Nem menciono os nomes que sugeriam esse tédio… Mas hoje não há senão como ser político no que fazemos. Até para ser um bom americano. A minha esperança reside ainda numa fé que tenho na beleza de uma América em que acredito e que se salvará por si. Neste momento só a América se salvará da América…

Acredita que os Democratas regressarão à Casa Branca?
Têm de regressar! Têm de voltar a ser o mainstream. E tudo terá de implicar um reagrupar dos fragmentos em que se transformou a América. Reagrupar partes como Nova Iorque ou a Califórnia, que se separaram… Estamos a viver um pico negativo, o pior de sempre. E não há alternativa senão pensar assim.

Nomes de proa como os R.E.M. ou Bruce Springsteen participaram activamente na campanha anti-Bush Vote For Change, mas o seu sonho foi por água abaixo. O que sentiria se também se tivesse empenhado como eles?
Creio que sabia que, fundo no coração, Kerry ia perder. Penso que, sem fazer de tudo isto uma tragédia, o Howard Dean podia ter ganho. Ele, por si, teria ganho. Tem carisma. Teria mais hipóteses. E o seu afastamento, para mi, foi a imagem do fracasso a caminho. Naturalmente passei a apoiar o John Kerry, e até penso que é um homem inteligente e teria dado um bom presidente no sentido clássico. Mas não tinha carisma suficiente…

A quem ofereceria os seus discos se o pudesse fazer?
Como sou um fã de ópera daria um a Leontine Price, uma cantora de ópera. E tenho uma fantasia que é ter um caso com um membro da Guarda Suiça, e depois tocar-lhe o Gay Messiah ali perto do quarto do Papa para ele escutar a canção.

E a quem não daria nunca um disco?
Essa é difícil… Não há ninguém a quem não desse nunca o disco. Todos o merecem (risos).

O sucesso mainstream é ainda um sonho para si?
É como digo: se for pelo bem da sociedade… Então que se varie um pouco, sim, haja alguém com uma outra perspectiva e que tem uma boa educação musical. Posso parecer megalomaníaco, mas não posso negar que tive uma educação incrível e quero mostrá-la ao mundo. E tenho força para isso. Sinto-me um Muhammed Ali.

Passou um mau bocado na sua vida há alguns anos. Problemas com álcool e drogas. Como os venceu?
Tive a melhor ajuda possível que o dinheiro podia pagar. Pude colocar a minha carreira em modo de pausa por uns tempos e então foquei-me em mim. Foi também uma graça de Deus. Mas também o dinheiro que pude pagar e a vaga no calendário. Fiz reabilitação, terapia… A grande lição que tirei disse-me que, quando se tem um problema, e pensamos que precisamos de ajuda, a verdade é que precisamos mesmo de ajuda. E hoje, no nosso tempo, há recursos incríveis para nos dar essa ajuda. E que não existiam nos anos 70! Falo de terapias, de medicação. Tudo o que precisamos… E há muitas opções. Por isso aquele lugar onde estive não é tão terrível assim. É ainda assustador, e impõe-se em nós como um evento dramático. Não é fácil, porque temos de ser extremamente honestos connosco mesmos e temos de nos sacrificar mesmo muito. Mas é melhor que no passado, quando simplesmente internavam as pessoas em manicómios. Há mais opções. Tive sorte…

A escrita pode ser encarada como terapia?
Pode sim, mas não por mim. Não a uso nesse sentido. Às vezes pode ajudar, mas outras vezes faz o contrário… Pode fazer-nos ter de nos concentrarmos num momento difícil. Obriga-nos a procurar o que fazer depois… É como andar de saltos altos. Por vezes tropeçamos e caímos.

Hoje fala-se muito do Canadá. Sobretudo no mundo da música. Apesar da canção Blame Canada em South Park, houve aquele retrato do país como opoisção à suposta neurose americana no filme Bowling For Columbine de Michael Moore. O que pensa destes retratos do país?
São verdadeiros. A visão do Michael Moore é muito honesta. É um país altamente civilizado, muito pacífico. E engraçado ver esta atenção. Durante muito tempo pensava do Canadá com aquele sentido de nostalgia do lugar onde vou pelo Natal, onde está a minha mãe… Mas agora, depois deste último Primeiro Ministro, acho que fizeram um trabalho extraordinário de demarcação face aos Estados Unidos, mantendo o seu sistema social intacto, mesmo ao lado da maior central de energia do mundo. Sinto um grande orgulho pelo Canadá, ainda mais que no passado. Tem personalidade, mesmo ao lado de um outro país tão poderoso.