Autor de uma obra que, cruzando géneros e caminhos característicos das mais profundas expressões musicais americanas (a folk, a country, o gospel), Bill Callahan cedo aí encontrou um lugar muito seu. Chamou-lhe Smog. Ou, para sermos mais precisos, (Smog). Esse foi um lugar que nunca evitou o desejo de experimentar, mesmo nos estúdios mais imperfeitos, as ideias superando sistematicamente as formas, optando frequentemente por um ascetismo quase minimalista (o que não é sinónimo de ter pouco para dizer ou tocar, bem pelo contrário). A sua discografia deu-nos grandes canções, muitas vezes reduzidas à essência da sua estrutura, nascidas num pequeno caos de acontecimentos, todavia firmes numa demanda estética e, de disco para disco, demonstrando progressivo aprimoramento da escrita. Woke On a Whaleheart é o primeiro álbum que edita em nome próprio. E, para todos os efeitos, uma das mais belas surpresas do ano. O aparente sucesso no amor não calou o velho céptico mas, aparentemente, sublimou velhas melancolias, trouxe-lhe luz, ousadia pop, fôlego renovado. E, como no rio de que fala em From The Rivers To The Ocean, mergulhou no bem-estar encontrado (ao lado de Joanna Newsom, esclareça-se), deixando-se levar à descoberta de novas praias... Não embriagado de amores. Mas ciente da sua importância na estruturação de uma vida (e obra) diferente. Uma certeza que se reafirma, a fechar o disco, em A Man Needs a Woman Or a Man To Be a Man. O todo apenas possível na realização amorosa, portanto. Pontualmente ainda encontramos ecos de um comentador muito particular do mundo e da sua relação com os outros. Estão aqui, evidentes, as suas heranças folk, country... Mas nunca antes o céu esteve tão limpo sobre Bill Callahan.
Bill Callahan
“Woke on a Whaleheart”
Drag City / Ananana
4/5
Para saber mais: site da editora (o MySpace do músico ainda só tem canções de Smog.
Dois anos depois do justificadamente aclamado Alligator, doze passados sobre o êxodo que os afastou da sua Cincinnati natal e deu nova morada em Nova Iorque (mais concretamente em Brooklyn), os The National apresentam um quarto álbum que enquadra, como se esperava, no trilho que têm vindo a traçar, solidamente, disco a disco. Mais que meros colectores de grandes raízes e referências autorais (falou-se já de Leonard Cohen, Bruce Springsteen, Bob Dylan e, mais justificadamente, Mark Eitzel), os The National conseguem hoje, sobretudo depois de Alligator e Boxer, afirmar um lugar seu no actual panorama rock alternativo norte-americano, algures numa latitude que investiga as faces menos luminosas da vida (a perda, as ausências, o remorso), no ponto onde a longitude lhe dá um oportuno soco e o ponto resultante aceita que daí nasça uma música que procura tudo menos a já estafada implosão depressiva. Sucessor evidente de Alligator, Boxer desenvolve mais ainda um cativante sentido de cenografia em redor das canções (sob belos arranjos de Padma Newsome, dos Clogs), convidando-as a uma grandiosidade formal que não obriga à contaminação de elementos emocionais alheios à identidade de uma escrita que se mantém fiel ao que literariamente sempre foi. Num espaço de consciência urbana, onde contudo mora um sentido de espaço de quem conhece outros horizontes, uma música cada vez mais familiar, elaborada, sóbria. E nem por isso de resignação.
The National
“Boxer”
Beggars Banquet / Popstock
4/5
Para ouvir: MySpace
A série DJ Kicks tem permitido descobrir não só carreiras em paralelo de muitos músicos enquanto DJs, como frequentemente revela gostos e opções que nem sempre as suas canções destapam e as entrevistas focam. Os mais recentes convidados a “gravar” uma sessão para a série foram os Hot Chip, opção que claramente se deve ao impacte obtido pelo seu álbum de 2006. Se em disco mostram uma vontade firme de trabalhar a pop sob ferramentas essencialmente electrónicas, na hora de cruzar discos mostram ser senhores de mais largos horizontes, e convocam outros sons e artistas ao seu set. Ordenado segundo um crescendo, com final onde não falta o party number e a descompressão de fim de festa, o conjunto de temas cruzados é na sua maioria interessante, perdendo-se um pouco na etapa de costela house a meio do alinhamento, mas recuperando fôlego e versatilidade no final. Muitos temas “obscuros” (apenas porque pouco divulgados) dominam um álbum onde a familiaridade surge depois ao som dos New Order, Joe Jackson, Etta James ou Ray Charles... Boas surpresas com Tom Zé e Black Devil Disco Club e uma auto-citação com uma versão de My Piano... Interessante, mas não mais que isso.
Vários (selecção dos Hot Chip)
“DJ Kicks”
!K7/Zona Música
3/5
Para ouvir: Site oficial
Adjectivos como elegância e requinte são habitualmente emprestados à música dos Pink Martini. Contudo, “preguiça”, “comodismo” e “previsível” são palavras que, mais ainda, encaixam perfeitamente na forma de descrever o que fazem. O colectivo norte-americano, com dez anos de vida e apenas três álbuns editados, teve a início o mérito de, depois de nomes como Dimitri From Paris, Ursula 1000 ou Fantastic Plastic Machine, ter continuado a dar nova vida a um espaço ao qual se aplica habitualmente a expressão easy listening. Contudo, após dois álbuns de mera revisitação de formas (ao invés dos demais nomes citados, sempre dispostos a reinventar novas formas para velhas heranças), a chama apagou. Hey Eugene! é, como os anteriores, um disco de primor nas formas, competente na interpretação e preciso na revisitação dos modelos convocados. Porém, o cocktail de Carmen Miranda, França anos 60, cha cha cha mais outros apetites latinos, China light, Médio Oriente lá lá lá e soul pop anos 70 não parece desejar mais que recolher a nostalgia pela nostalgia para oferecer suposto exotismo retro a plateias actuais. A personalidade conjunta é apenas igual à soma das memórias lembradas, zero de intervenção além da maquilhagem mínima necessária a cada evocação. Sem um programa, um destino, uma ordem. Nah!
Pink Martini
“Hey Eugene!”
Naïve / EMI Music Portugal
2/5
Para ouvir: MySpace
Só agora chegou oficialmente aos nossos escaparates o álbum de estreia dos Larrikin Love (lançado em Setembro de 2006 em Inglaterra). E convenhamos que valeu a pena esperar por eles. O disco está longe de ser um daqueles que iremos celebrar como os grandes do ano ou de representar a mais suculenta estreia do momento. Mas é um interessante espaço de experimentação de heranças folk, todavia com uma consciência política e social que não esconde outras contaminações. A história do relacionamento da folk com genéticas rock é antiga no Reino Unido, com nomes como os Waterboys, Pogues, The Men They Couldn’t Hang ou The Levellers entre os seus mais distintos filhos. Nos tempos mais recentes, e sob o interesse de uma nova geração de músicos e bandas pelos vários legados folk, destacaram-se várias bandas onde a personalidade presente (compósita) revelou novas formas de abordagem a tradições antigas. Veja-se, por exemplo, o caso mui mediatizado (porque nomeado para o Mercury Prize) dos Guillemots. A estes juntemos então os Larrikin Love, cujo manifesto de estreia mais não mostra que igual gosto por colheitas folk, todavia chamando às suas canções uma inquietude punk que lembra os Clash. São interessantes comentadores da vida inglesa actual (de um ponto de vista desencantado), gostam de piscar o olho a Oscar Wilde, Rimbaud e George Orwell e revelam-se aqui muito mais que o fruto de uma cena inexistente (chamaram-lhe “Thamesbeat”) a que surgiram associados, em tempos, nalguma imprensa brit. Uma estreia convidativa.
Larrikin Love
“The Freedom Spark”
Ryko / Edel
3/5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana: Maps, Pet Shop Boys (DVD), Depeche Mode (reedições), Moody Blues (BBC Sessions 1967-70), Lena D’Água, Erasure, Blue Aeroplanes, Grant Lee Philips
Brevemente:
28 de Maio: Black Rebel Motorcycle Club (ed nacional), Clash (caixa), Jeff Buckley (best of), Richard Thompson, Tiga (remisturas), The Knife (ed DeLuxe), Von Sudenford, The Bravery, The Cinematics, R Foster/G McLennan (best of das gravações a solo), Trademark
4 de Junho: Perry Farrell, Paul McCartney, Bonde do Role, Marvin Gaye (reedição), Bruce Springsteen (live), Nick Lowe, Keren Ann, Junior Boys (EP), Suzanne Vega, Blanche
10 de Junho: Calvin Harris, Digitalism, Van Morrisson (best of), Queens of The Stone Age, Orbital (live), Travelling Wilburys, Amina, Scissors For Lefty
Junho: Spiritualized, Bryan Ferry (DVD), Marilyn Manson, Jorge Palma, David Bowie (DVD), Marc Almond (ed local), Frank Black, Clinic, Editors, Simian Mobile Disco
Julho: Interpol, Blondie (reedição)
Estas datas podem ser alteradas a todo o momento
Bill Callahan
“Woke on a Whaleheart”
Drag City / Ananana
4/5
Para saber mais: site da editora (o MySpace do músico ainda só tem canções de Smog.
Dois anos depois do justificadamente aclamado Alligator, doze passados sobre o êxodo que os afastou da sua Cincinnati natal e deu nova morada em Nova Iorque (mais concretamente em Brooklyn), os The National apresentam um quarto álbum que enquadra, como se esperava, no trilho que têm vindo a traçar, solidamente, disco a disco. Mais que meros colectores de grandes raízes e referências autorais (falou-se já de Leonard Cohen, Bruce Springsteen, Bob Dylan e, mais justificadamente, Mark Eitzel), os The National conseguem hoje, sobretudo depois de Alligator e Boxer, afirmar um lugar seu no actual panorama rock alternativo norte-americano, algures numa latitude que investiga as faces menos luminosas da vida (a perda, as ausências, o remorso), no ponto onde a longitude lhe dá um oportuno soco e o ponto resultante aceita que daí nasça uma música que procura tudo menos a já estafada implosão depressiva. Sucessor evidente de Alligator, Boxer desenvolve mais ainda um cativante sentido de cenografia em redor das canções (sob belos arranjos de Padma Newsome, dos Clogs), convidando-as a uma grandiosidade formal que não obriga à contaminação de elementos emocionais alheios à identidade de uma escrita que se mantém fiel ao que literariamente sempre foi. Num espaço de consciência urbana, onde contudo mora um sentido de espaço de quem conhece outros horizontes, uma música cada vez mais familiar, elaborada, sóbria. E nem por isso de resignação.
The National
“Boxer”
Beggars Banquet / Popstock
4/5
Para ouvir: MySpace
A série DJ Kicks tem permitido descobrir não só carreiras em paralelo de muitos músicos enquanto DJs, como frequentemente revela gostos e opções que nem sempre as suas canções destapam e as entrevistas focam. Os mais recentes convidados a “gravar” uma sessão para a série foram os Hot Chip, opção que claramente se deve ao impacte obtido pelo seu álbum de 2006. Se em disco mostram uma vontade firme de trabalhar a pop sob ferramentas essencialmente electrónicas, na hora de cruzar discos mostram ser senhores de mais largos horizontes, e convocam outros sons e artistas ao seu set. Ordenado segundo um crescendo, com final onde não falta o party number e a descompressão de fim de festa, o conjunto de temas cruzados é na sua maioria interessante, perdendo-se um pouco na etapa de costela house a meio do alinhamento, mas recuperando fôlego e versatilidade no final. Muitos temas “obscuros” (apenas porque pouco divulgados) dominam um álbum onde a familiaridade surge depois ao som dos New Order, Joe Jackson, Etta James ou Ray Charles... Boas surpresas com Tom Zé e Black Devil Disco Club e uma auto-citação com uma versão de My Piano... Interessante, mas não mais que isso.
Vários (selecção dos Hot Chip)
“DJ Kicks”
!K7/Zona Música
3/5
Para ouvir: Site oficial
Adjectivos como elegância e requinte são habitualmente emprestados à música dos Pink Martini. Contudo, “preguiça”, “comodismo” e “previsível” são palavras que, mais ainda, encaixam perfeitamente na forma de descrever o que fazem. O colectivo norte-americano, com dez anos de vida e apenas três álbuns editados, teve a início o mérito de, depois de nomes como Dimitri From Paris, Ursula 1000 ou Fantastic Plastic Machine, ter continuado a dar nova vida a um espaço ao qual se aplica habitualmente a expressão easy listening. Contudo, após dois álbuns de mera revisitação de formas (ao invés dos demais nomes citados, sempre dispostos a reinventar novas formas para velhas heranças), a chama apagou. Hey Eugene! é, como os anteriores, um disco de primor nas formas, competente na interpretação e preciso na revisitação dos modelos convocados. Porém, o cocktail de Carmen Miranda, França anos 60, cha cha cha mais outros apetites latinos, China light, Médio Oriente lá lá lá e soul pop anos 70 não parece desejar mais que recolher a nostalgia pela nostalgia para oferecer suposto exotismo retro a plateias actuais. A personalidade conjunta é apenas igual à soma das memórias lembradas, zero de intervenção além da maquilhagem mínima necessária a cada evocação. Sem um programa, um destino, uma ordem. Nah!
Pink Martini
“Hey Eugene!”
Naïve / EMI Music Portugal
2/5
Para ouvir: MySpace
Só agora chegou oficialmente aos nossos escaparates o álbum de estreia dos Larrikin Love (lançado em Setembro de 2006 em Inglaterra). E convenhamos que valeu a pena esperar por eles. O disco está longe de ser um daqueles que iremos celebrar como os grandes do ano ou de representar a mais suculenta estreia do momento. Mas é um interessante espaço de experimentação de heranças folk, todavia com uma consciência política e social que não esconde outras contaminações. A história do relacionamento da folk com genéticas rock é antiga no Reino Unido, com nomes como os Waterboys, Pogues, The Men They Couldn’t Hang ou The Levellers entre os seus mais distintos filhos. Nos tempos mais recentes, e sob o interesse de uma nova geração de músicos e bandas pelos vários legados folk, destacaram-se várias bandas onde a personalidade presente (compósita) revelou novas formas de abordagem a tradições antigas. Veja-se, por exemplo, o caso mui mediatizado (porque nomeado para o Mercury Prize) dos Guillemots. A estes juntemos então os Larrikin Love, cujo manifesto de estreia mais não mostra que igual gosto por colheitas folk, todavia chamando às suas canções uma inquietude punk que lembra os Clash. São interessantes comentadores da vida inglesa actual (de um ponto de vista desencantado), gostam de piscar o olho a Oscar Wilde, Rimbaud e George Orwell e revelam-se aqui muito mais que o fruto de uma cena inexistente (chamaram-lhe “Thamesbeat”) a que surgiram associados, em tempos, nalguma imprensa brit. Uma estreia convidativa.
Larrikin Love
“The Freedom Spark”
Ryko / Edel
3/5
Para ouvir: MySpace
Também esta semana: Maps, Pet Shop Boys (DVD), Depeche Mode (reedições), Moody Blues (BBC Sessions 1967-70), Lena D’Água, Erasure, Blue Aeroplanes, Grant Lee Philips
Brevemente:
28 de Maio: Black Rebel Motorcycle Club (ed nacional), Clash (caixa), Jeff Buckley (best of), Richard Thompson, Tiga (remisturas), The Knife (ed DeLuxe), Von Sudenford, The Bravery, The Cinematics, R Foster/G McLennan (best of das gravações a solo), Trademark
4 de Junho: Perry Farrell, Paul McCartney, Bonde do Role, Marvin Gaye (reedição), Bruce Springsteen (live), Nick Lowe, Keren Ann, Junior Boys (EP), Suzanne Vega, Blanche
10 de Junho: Calvin Harris, Digitalism, Van Morrisson (best of), Queens of The Stone Age, Orbital (live), Travelling Wilburys, Amina, Scissors For Lefty
Junho: Spiritualized, Bryan Ferry (DVD), Marilyn Manson, Jorge Palma, David Bowie (DVD), Marc Almond (ed local), Frank Black, Clinic, Editors, Simian Mobile Disco
Julho: Interpol, Blondie (reedição)
Estas datas podem ser alteradas a todo o momento