terça-feira, maio 15, 2007

Discos da semana, 14 de Maio

Não é a primeira vez que chovem elogios sobre Rufus Wainwright. Mas desta vez poderemos estar perante aquele disco pelo qual, um dia, o seu nome será lembrado. A sua obra-prima, portanto. Como Poses, este é um disco de desencanto. Mas, enquanto esse “clássico” de 2001 procurava resolver uma etapa negra interior, o novo álbum expressa, o novo disco reflecte sobretudo uma relação do “eu” com o meio, do espaço político e geográfico aos “outros” que o habitam. Este é, sobretudo, um disco de desapontamento perante uma América onde durante anos viveu e, ao mesmo tempo, de descoberta de novo porto seguro na Europa (as referências à Alemanha, no inlay e nas próprias canções, não acontecem por acaso). Todavia, há ainda nesta música uma profunda relação com a identidade cultural da América, reforçando Rufus Wainwright em Release The Stars uma posição protagonista entre os mais claros herdeiros das grandes lições apreendidas em heranças várias do showbiz americano. Este é um disco ainda pop, mas no qual se reflecte um depurar de formas, um requintar de soluções, uma contenção nos excessos, sobretudo os maneirismos vocais que, outrora insistentes, cedem agora lugar a uma suave indolência que serve em tudo as canções que aqui se mostram. Estamos perante um disco de versatilidade assombrosa, capaz de caminhar em vários sentidos, da sóbria balada para voz e piano ao surto de intensidade sinfonista, sem evitar pontuais incidentes pop. Release The Stars é um disco boémio, retrato solene (e capaz de auto-ironia) de um dandy do século XXI, pleno de reflexões românticas e críticas cáusticas, traduzindo a solidez de uma personalidade artística que, ao atingir a sua maioridade absoluta, não sente a necessidade de ocultar referências ou mesmo pontuais citações (como no espantoso Do I Disapoint You, onde quase escutamos Philip Glass). Um furacão de emoções, servido com a discrição de um glentleman.
Rufus Wainwright
“Release The Stars”
Geffen / Universal
5/5
Para ouvir: MySpace


23 é o album que confirma em pleno o que, há anos, de melhor se esperava vindo dos Blonde Redhead, um trio com casa em Nova Iorque e que soma uma japonesa a dois italianos. Cruzam uma ideologia apreendida a ouvir os Sonic Youth ou My Bloody Valentine com um sentido de glamour e estimulante decadência que descobriram em discos de Serge Gainsbourg e outros velhos prontuários pop. Em 23 os Blonde Redhead sabem ser tão intrigantes (como a espantosa capa do álbum logo sugere) quanto familiares. Luminosos e sofridos, actuais e retro, num conjunto de canções que sabem, com rara elegância, juntar eloquência pop e grandiosidade quase sinfónica com uma produção consciente da inquietude lo-fi em que esta aventura nasceu. Apresenta-se assim uma pop contagiante, com vozes e teclas açucaradas a servir se saborosas cerejas sobre delicioso bolo. 23 acentua um percurso progressivamente mais centrado na melodia, no brilho pop, num sentido de encenação que, disco a disco, aprenderam a dominar e a transformar num discurso muito particular (onde, todavia, saudáveis referências são reconhecíveis). As suas dez canções (sim, o álbum acredita na opção pela qualidade em detrimento da quantidade) são cativantes puzzles de acontecimentos que convidam, desafiam, seduzem, encantam. Conquistam. Quem julgava que o espantoso Misery Is A Butterfly (de 2004) era feito insuperável, aqui tem resposta positiva. 23 é, para gostos pop, um dos álbuns fundamentais de 2007.
Blonde Redhead
“23”

4 AD / Popstrock
5/5
Para ouvir: MySpace


A edição de cada novo állbum dos Sea And Cake confirma que, no grupo de Chicago, existe um dos mais estimulantes motores de acontecimentos na actual canção popular (facção idade adulta com gosto pelo desafio, todavia ciente da necessidade de algum conforto). Longe vão os dias de demanda formal menos definida, fruto então de uma paixão pela desconstrução de estruturas tradicionais da canção pop/rock que em Chicago conheceu um dos mais activos e convincentes laboratórios. Ao longo dos últimos dez anos, Sam Prekop (vocalista e principal força criativa) e seus parceiros têm caminhado no sentido da procura de um lugar na música. Um lugar que, álbum após álbum, se reconhece num progressivamente mais visível depuramento de antigas subjectividades. A música dos Sea And Cake, quatro anos depois do espantoso One Bedroom (o tal que fechava com uma versão de Sound And Vision, de David Bowie), reconfirma o desejo de se mostrar agradável, tranquila, de digestão acessível. Um subtexto alegadamente apontado a memórias antigas dos Kinks é levantado como possível ponto de partida. O que não trava a presença de marcas estilísticas já habituais, das abordagens de alma jazzística a postulados pop a pontuais frestas de dissonância. Everybody é um cálido espaço de canções que soam a fim de tarde de Verão. Um disco que nos convida a regressar, a cada regresso compensando pela familiaridade que vai sugerindo. Não nos conseguem desiludir!
The Sea and Cake
“Everybody”
Thrill Jockey / Dwitza
4/5
Para ler e ver: Site oficial


Com alguma regularidade a BBC tem registado em disco o seu monumental acervo de gravações, muitas delas coordenadas por John Peel. A mais recente das edições de “sessões” devolve à vida um conjunto de gravações efectuadas por Gary Numan, na totalidade, as três que efectuou para o programa de John Peel. A mais antiga das sessões data de Janeiro de 1979, ou seja, anterior à edição de Replicas, o segundo disco dos Tubeway Army. Distante do som new wave menos pessoal que haviam apresentado no álbum de estreia alguns meses antes, Gary Numan e colegas mostravam primeiros sinais de uma nova identidade centrada no protagonismo das electrónicas, de uma postura robótica e temáticas futuristas (ou, pelo menos à época, tidas como tal). Com uma evidente ingenuidade instrumental, longe da opulência que, meses depois, dele faria a primeira estrela pop na idade da pop electrónica, temas como Me I Disconnect From You, Down In The Park ou I Nearly Marry A Human reflectem ainda a tensão sombria que caracterizou a melhor da produção de Numan (e gerou as mais evidentes das suas descenências, entre as quais se contam os Nine Inch Nails). Outro primor instrumental revela-se numa segunda sessão, quatro meses depois, na qual se estreia o clássico Cars. Menos estimulante é a terceira (e mais longa) sessão, datada de 2001. Aí encontramos Numan transformado em clone dos seus herdeiros, ora expondo novas canções de banal rock industrial, ora revisitando temas-chave como Cars e Down In The Park, todavia sem a alma visionária de 1979... Mesmo assim, um documento.
Gary Numan
“The Complete John Peel Sessions”

Maida Vale / Edel
3/5
Para notícias recentes: Site oficial


Apesar de serem cada vez mais frequentes os discos e artistas de origem japonesa com os quais contactamos deste outro lado do mundo, poucos foram os que mereceram o aplauso vistoso, e consequente euforia mediática, de Cornelius (de seu nome real Keigo Oyamada) quando, há dez anos, nos deu a ouvir o espantoso Fantasma, um álbum de caleidosópica geometria interna, cruzando o gosto pela colagem de uns Beastie Boys, o sentido de rebeldia noise de uns My Bloody Valentine e a cor garrida das harmonias de uns Beach Boys). Dez anos depois, e com alguns outros discos (não muitos) pelo meio, Sensuous surge como nova expressão de uma mesma filosofia, porém sem a mesma capacidade de sedução, seja pelo esgotamento da novidade (que já não o é), seja pelo reduzir de ferramentas a um ascetismo formal (que, mesmo conceptualmente estimulante, acaba por não se traduzir em formas musicais verdadeiramente entusiasmantes). Talvez excessivamente cerebral e reflectido, confinando a guitarras (acústicas e eléctricas), sintetizadores vintage, voz e pouco mais as suas fontes únicas de som, Sensuous é, acima de tudo, um espaço de meticulosa construção textural onde há ideias a mais e resultados a menos.
Cornelius
“Sensuous”

Warner Japan / Warner
2/5
Para ouvir: MySpace


Também esta semana:
Maps, Bill Callahan, OMD (reedição), Wilco, Larrikin Love, The 1990’s, Pere Ubu (reedição), Tears For Fears (best of), Pink Martini, Style Council (best of), Ute Lemper (DVD)

Brevemente:
21 de Maio: Pet Shop Boys (DVD), Hot Chip (DJ Kicks), The National, Depeche Mode (reedições), Moody Blues (BBC Sessions 1967-70), Lena D’Água, Erasure, Blue Aeroplanes, Grant Lee Philips, The Bravery
28 de Maio: Black Rebel Motorcycle Club (ed nacional), Clash (caixa), Jeff Buckley, Richard Thompson, Tiga (remisturas), The Knife (ed DeLuxe), Von Sudenford
4 de Junho: Perry Farrell, Paul McCartney, Bonde do Role, Marvin Gaye (reedição), Bruce Sptingsteen (live), Nick Lowe, The Cinematics, Keren Ann, Suzanne Vega, Calvin Harris, Junior Boys (EP)

Junho: Spiritualized, Bryan Ferry (DVD), Marilyn Manson, Jorge Palma, David Bowie (DVD), Amina, Orbital (live), Marc Almond), Frank Black, Clinic, Editors, Simian Mobile Disco
Julho: Interpol, Travelling Wilburys (reedição), Blondie (reedição)


Estas datas podem ser alteradas a todo o momento