quinta-feira, abril 05, 2007

Solidão de actriz

1. Há uma pressão, simultaneamente social e cultural, que se instala quase sempre que surge uma obra (cinematográfica, mas não só) que escapa a padrões correntes de elaboração, percepção e leitura. Assim, face a um filme "difícil" como Inland Empire, é suposto começarmos pela sua estranheza ou mesmo, a acreditar em muitos relatos da imprensa estrangeira, pela sua "ilegibilidade". Pior do que isso: de forma aberta (violência moral) ou insidiosa (violência normativa), é dito que alguém, certamente o "crítico", tem por obrigação explicar o que os outros tanta dificuldade têm em entender.
2. Vale a pena dizer o mais simples. Que é também o menos popular: enquanto espectador tocado pelo mistério de um objecto (cinematográfico ou não), o crítico é aquele que sabe tanto como qualquer outro — é mesmo aquele que escolhe trabalhar sobre o seu não saber. Criticar não é garantir ao leitor/espectador que o mundo tem "um" sentido. Para isso existem as telenovelas.
3. Talvez possamos perguntar, então: como podemos trabalhar com Inland Empire? Que propostas nos faz a câmara de David Lynch? Talvez possamos começar por esta: que um actor — ou, pormenor não secundário: uma actriz — face a uma câmara pode ser algo de sedutor, enigmático e comovente. Porque não fazer um filme como se fosse um home movie sobre uma câmara que segue uma actriz? Mais precisamente: uma câmara que segue e devora Laura Dern? É, afinal, um projecto transparente, tão transparente que a sua transparência gera medo.
(continua)