segunda-feira, março 05, 2007

RTP: memórias e interrogações (1/3)

> Esta é a primeira parte de um texto — intitulado 'A RTP, o país, a sua tele-visão e o futuro dela' — publicado na revista "6ª" (Diário de Notícias), de 2 de Março de 2007.

Quando olhamos para as fotografias dos primórdios da televisão em Portugal — isto é, para o estúdio experimental da RTP na Feira Popular — é inevitável sentirmos um misto de nostalgia e perplexidade: por um lado, reencontramos o espírito naïf de um tempo em que as técnicas da comunicação e do espectáculo viviam ainda a pré-história daquilo que, para o melhor ou para o pior, é o nosso presente mediático; por outro lado, o fenómeno televisivo era ainda... um fenómeno, ou seja, algo que representava um corte sensível nos hábitos e rotinas do quotidiano.
No primeiro dia de emissão oficial da RTP (7 de Março de 1957), a locutora Maria Helena Varela Santos esclarecia que “começam hoje as emissões da Radiotelevisão Portuguesa, que ainda não terão carácter definitivo, visto tratar-se justamente de ensaio que se prolongará por alguns meses, até que esteja pronta a instalação da cadeia de emissores que cobrirá 60% do território metropolitano.” E acrescentava esta informação, hoje insólita: “Só então se farão emissões de tipo definitivo.”
Cinquenta anos passados, três (enormes) factores conjunturais permitem-nos perceber que há muito se desvaneceram as dúvidas, até mesmo o eventual romantismo, desses tempos fundadores. Em primeiro lugar, o país protagonizou um dos cortes mais radicais da sua história moderna: de forma visceralmente simbólica, o 25 de Abril de 1974 foi também vivido como uma ruptura eminentemente televisiva. Depois, a eclosão dos canais privados fez triunfar novos conceitos televisivos e outros valores mediáticos, contaminando todo o espaço social: com o início das emissões da SIC (6 de Outubro de 1992) e da TVI (20 de Fevereiro de 1993), a televisão em Portugal democratizou-se, prometendo uma diversificação dos canais generalistas que, em boa verdade, o presente está longe de confirmar. Finalmente, a televisão por cabo, a multiplicação da oferta de canais (nacionais e internacionais) e a avalancha de alternativas decorrentes da generalização da Internet mudaram, de forma irreversível, o quadro social e tecnológico em que nasceu a RTP: a televisão deixou de ser uma “janela aberta para o mundo”, já que o mundo se transformou num labirinto vivo de infinitos ecrãs.