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Daí que o livro nos fale — e dê a ver — o que de mais genuíno faz um filme e, por assim dizer, justifica o cinema. A saber: a luta tenaz pela gestação de um momento, pela justeza de um gesto, pela precisão de uma acção. Ou ainda (e para retomarmos a ideia simples, mas essencial, do título): os mecanismos concretos, e também os valores abstractos, do trabalho para conquistar as imagens.
Assim, por exemplo, nestes dois momentos complementares da rodagem de Uma Mulher Casada (1964), com Macha Méril e Bernard Noël. Se nos lembrarmos do filme, as visões fragmentadas dos corpos do par são verdadeiras aparições: decompondo o cliché erótico, Godard expõe a tristeza de uma sexualidade que se transformou num fim em si mesma. No ecrã, há uma intensidade paradoxal: a carne confunde-se com a frieza inacessível de um monumento. No plateau, a mão de Godard procura encontrar a composição certa para a imagem que pressentimos no visor da câmara. O cinema nasce desta coabitação entre o real e a sua imaginação.
* Texto publicado na revista "6ª" (Diário de Notícias), de 2 de Março de 2007, com o título 'Elogio do trabalho'.