O Desprezo — no original
Le Mépris (1963) — é um daqueles filmes que há muito superou
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qualquer contexto "especializado". Mais do que um emblema da agilidade cinéfila de Jean-Luc Godard (recorde-se que o pano de fundo da acção é a rodagem de um filme dirigido por Fritz Lang interpretado por... Fritz Lang, com Godard a assumir-se como seu assistente), mais do que uma bandeira da Nova Vaga francesa,
O Desprezo transformou-se num objecto que, por si só, simboliza o cinema, não apenas como arte, mas como
ideia. Entre as suas cenas infinitamente citadas (e "imitadas"), está o diálogo inicial de Brigitte Bardot e Michel Piccoli, com ela a inventariar as zonas do seu corpo, com ele a confirmar que sente amor por todas elas, com ela a perguntar se, então, ele a ama "totalmente", e ele a concluir: "Totalmente, ternamente, tragicamente."
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Pois bem, os perfumes Chanel também são indissociáveis da cinefilia (recorde-se, por exemplo, o anúncio de 2004
Nº 5 The Film, com Nicole Kidman e direcção de Baz Luhrman), tendo acabado de lançar uma campanha (para cinema e televisão) para o seu bâton "Le Rouge", precisamente inspirada em
O Desprezo e na célebre cena com Bardot e Piccoli. A realização é da fotógrafa
Bettina Rheims, com Julie Ordon a refazer a figura mítica de Bardot. São 31 segundos que vale a pena
descobrir.
Entretanto, e porque a memória é mesmo vital para percorrermos estes ziguezagues das imagens, dos filmes e das suas lendas, podemos rever a cena original de Godard. Com um aviso inevitável: O Desprezo é em formato CinemaScope, foi concebido para o grande ecrã e o que aqui temos é apenas uma "amostra" tecnicamente deficiente, para mais não respeitando as proporções das imagens originais. Em todo o caso, o diálogo é, por si só, uma obra-prima (dentro de uma obra-prima).