Arcade Fire “Neon Bible”
Não havia, no horizonte, tarefa mais difícil que aquela que os Arcade Fire tinham em mãos. Ou seja, criar, depois do que o seu espantoso álbum de estreia, Funeral, conquistou, um sucessor capaz de satisfazer uma multidão de melómanos à espera do melhor... Neon Bible é a resposta. E justifica a espera (injustificada sendo, pelo contrário, a expectativa exacerbada de quem esperava impossível nova revolução em dois anos). Sem sinais de desejo de ruptura, Neon Bible é uma evolução na continuidade, apresentando um conjunto de soberbas canções que sabem suportar arranjos sinfonistas sem que o peso as esmague. De resto, mais ainda que no inesquecível Funeral (que será claramente recordado como um dos álbuns de referência da presente década), Neon Bible mostra uns Arcade Fire mais arrumados e de programa estético mais evidente (o que não significa que o caos ordenado que antes neles escutássemos fosse capaz de feitos menores). A mitificação, sazonal, de novos “messias” na cultura pop/rock trouxe ao universo dos Arcade Fire uma noção de “religiosidade”, expressão que pode ter conhecido génese no facto de optarem pela acústica de igrejas para nelas gravar uma música que é mais prece libertária que cumprimento de mera exigência formal em estúdio. Intervention é, assim, hino maior de uma grandiosidade pop que conhece hoje nos Arcade Fire um importante pólo de referência. É curioso verificar que neles não mais procuramos as dentadas e assimilações de nacos de Talking Heads, Pixies, Neutral Milk Hotel ou Bowie (se bem que Springsteen espreite, evidente, em Antichrist Television Blues). Hoje escutamos Arcade Fire como senhores de uma identidade firmada, líderes de uma nova mensagem da qual Neon Bible é sólido e seguro Opus 2. Um disco cuja único senão é o facto de suceder a um daqueles álbuns que não admitem igual. Mesmo assim, um magnífico afirmar de que Funeral não foi momento, com morte a seguir. Eles vivem!
Air “Pocket Symphony”
Uma das grandes desilusões do ano. Apesar de longe de medíocre, o novo álbum dos Air contrasta com um passado de saudável inquietude criativa, que deles fez, a começar, a mais sedutora reinvenção de memórias em finais de 90 (com Moon Safari a figurar no Top 5 dos melhores álbuns da década) e, depois, espantosos transformadores de uma realidade que, disco a disco ensaiava e experimentava novas variações, novos sabores. Pocket Symphony é, pelo contrário, uma espécie de Talkie Walkie 2.0, em versão piloto-automático, repetindo a químico as mesmas estratégias, afogando as canções em texturas que quase raiam o new age, travando a força pop que outrora era motor de grandes canções. Banda sonora para o filme errado, a sinfonia de bolso, mesmo assim, mostra, perdida a meio de um qualquer andamento longo, lento e inconsequente, uma das maiores pérolas da pop paisatgista electrónica de que os dois franceses são paradigma. Chama-se Photograph e, apenas por si, quase justifica o disco. Mas o resto...
Bryan Ferry “Dylanesque”
Dylanesque nasceu num ímpeto fulminante. Num impasse criativo em processo de gravação do álbum de reencontro dos Roxy Music, Bryan Ferry convocou músicos, fechou-se num estúdio e, uma semana depois, dele saiu com um disco nas mãos. Porém, se “terapeuticamente” a coisa foi eventualmente positiva para o cantor, discograficamente Dylanesque representa uma das mais dietéticas das suas ideias. O alinhamento abre relativamente bem, numa versão encorpada a guitarras rock’n’roll, mas sob o inevitável charme vocal à la Ferry, de Just Like Tom Thumb’s Blues, num registo que não foge da pop elegante que Taxi aplicara aos originais escolhidos em 1993 para operação em tudo semelhante. Pouco depois, para eloquência mais classicista, brilha uma soberba versão de Make You Feel My Love. Mas logo depois, The Times They Are A-Changin’, é banal... E, à medida que avançamos no disco, nele reconhecemos a aplicação, sistemática, da mesma paleta transformadora, reduzindo a potencial variedade “oferecida” por Dylan a um menor denominador comum que reduz Dylanesque a uma desilusão. Isto se não falarmos nas débeis versões Knockin’ On Heaven’s Door ou All Along The Watchto~wer, cuja presença se parece justificar apenas pelo facto de serem necessárias faixas suficientes para um álbum. E, numa semana de estúdio, não se deve ter gravado muito mais..
Mika “Life In Cartoon Motion”
Híbrido bem nutrido de festividade ao jeito de uns Scissor Sisters, com pompa à la Queen, Grace Kelley (o single de avanço do álbum) não é a bitola de referência para todo o disco de estreia de Mika, mas define um caminho bem claro: pop até mais não, mas longe da noção de fuga escapista, mantendo firme uma vontade de ligação ao real, mesmo que através do recurso à fantasia. Contudo, só o tempo nos confirmará se este é álbum com mais que um fruto. Na verdade, Life In Cartoon Motion tem tudo o que habitualmente encontramos em one hit wonders. A canção certa na hora certa, mais meia dúzia de temas para ajudar a festa. E muitas dúvidas ao fundo da estrada... Porém, mais que um grande performer e intérprete, Mika procura aqui afirmar-se como compositor. E por aqui há belos exemplos de sólida escrita pop (em canções como Lolipop, Love Today, Billy Brown e Over My Shoulder), apesar de, por vezes, o pé lhe fugir para calçado menos “chique”...
Também esta semana:
Tracey Thorn, Ry Cooder, Stooges, RJD2, Seeds (best of), Mint Royal, Depeche Mode (reedições), !!!, Grinderman, Howard Devoto
Brevemente:
12 de Março: LCD Soundsystem, Magazine (reedições), Blind Zero, Talking Heads (best of – reedição), Fratellis, Heróis do Mar (best of)
19 de Março: Andrew Bird, Panda Bear, Low, Rakes, David Bowie (reedições), Kronos Quartet, Neil Young, Jah Wobble, Christian Gansch (Beethoven)
26 de Março: Brett Anderson, Gary Numan (BBC Sessions), Kieran Hebden + Steve Reid, Norton, Bananarama (reedições), OneTwo, Laura Veirs, Teresa Salgueiro, Doors (reedições), Wedding Present (BBC Sessions), Herbert, Vários (Mute Archive 1), Yardbirds (best of)
Abril: Patti Smith, Bright Eyes, Spiritualized, Modest Mouse, The Bees, Nine Inch Nails, The Knife (DVD), Da Weasel, Arctic Monkeys, Maria João
Maio: Rufus Wainwright, OMD (reedição), Tori Amos
Estas datas podem ser alteradas a todo o momento