
A perturbação central do novo romance de John Updike (Terrorist, no original) decorre menos da sua actualidade temática — a história da formação ideológica e prática de um potencial terrorista —, e mais da sua calculada inserção nos lugares e rotinas de um quotidiano visceralmente made in USA. Dito de outro modo: Updike não se deixa “esmagar” pela urgência política do tema, não apenas evitando qualquer sentido panfletário ou maniqueísta, mas também mantendo um surpreendente tom de visceral intimismo.
Como é óbvio, estamos longe dos seus mais recentes exercícios romanescos: Seek My Face (2002), obra-prima de discretas comoções, propunha uma espantosa viagem pelas memórias de uma velha pintora, a pretexto do encontro com uma jovem jornalista, enquanto o belíssimo Villages (2004) percorria a biografia de um homem através dos seus diversos lugares de passagem. O Terrorista é mais uma introspecção americana, claramente pós-11 de Setembro, embora sem ficar dependente do peso simbólico dos próprios atentados.

Na sua odisseia entre deuses e demónios (os seus e os dos outros), Ahmad conduz o leitor a um terrível reconhecimento: o da banalidade do impulso terrorista. Updike é esse criador de ficções que sabe que a ilusão e o artifício não são apanágio do escritor, começando, afinal, nas relações humanas, na sua luminosidade como nos seus equívocos. O Terrorista (numa tradução eficaz de Carmo Romão) é um espantoso livro para lidarmos com a complexidade do mundo contemporâneo, superando os muitos maniqueísmos que tantas vezes, erradamente, nos levam a ignorar as marcas divinas e os gestos demoníacos."
* Texto publicado na revista "6ª" - Diário de Notícias (9 Fev. 2007), com o título 'Uma América feita de deuses e demónios'