
Não acredito que os olhos são o espelho da alma. Ou melhor: acredito, sim. Mas sinto também (e, com isso, sou obrigado a acreditar) que a alma se exprime no movimento das mãos, nas rugas dos dedos, num pé que se coloca depois de outro, no silêncio de uma presença ou no ruído de uma ausência. Por isso, olho para os olhos de Patti Smith e vejo o desarranjo ordenado dos anéis e pulseiras — sinto que a sua alma se quer insinuar nesses objectos que o corpo, de uma só vez, expõe e integra.
O álbum Patti Smith, American Artist (Insight Editions, 2006), do fotógrafo Frank Stefanko, é uma amostragem dessa maravilhosa vocação totalitária da alma: para onde quer que olhemos, mesmo para o mais esquecido detalhe da música quotidiana de Patti Smith, deparamos com a emergência de segredos cristalinos: expõem-se para que os possamos suspender ainda antes das palavras.
Da poética fundadora de Horses (1975) até ao intimismo dilacerado de Trampin’ (2004), Patti Smith existe como símbolo de uma cultura em que a irredutibilidade da voz não esquece, nem menospreza, a vocação pop da sua intervenção. As imagens de Stefanko são a delicada expressão dessa história pessoal e colectiva. Quando olhamos para os olhos de Patti Smith, percebemos que ela está também a fotografar o fotógrafo – a imagem nasce como prova desse ritual.