Escondido numa das portas que encontramos na grande alameda que liga Trafalgar Square ao palácio de Buckingham, o ICA (Institute for Contemporary Art) é ponto de visita obrigatória em Londres. Não só a sua pequena livraria é um concentrado útil de novos títulos em áreas como a música, cinema, filosofia, psicologia e teoria das artes em geral (com espantosa selecção de DVD a acompanhar os livros e interessante escaparate de revistas a completar a coisa), como a programação da casa garante tempo bem passado.
Esta semana, num dos dois ecrãs que o ICA mantém em actividade permanente, assegura-se a estreia britânica do quarto filme de Eric Steel, o assombroso The Bridge, documentário sobre a multidão de suicídos que, anualmente, tem lugar na ponte Golden Gate, em São Francisco. Ideia nascida depois da leitura, pelo realizador, de um artigo na New Yorker (Jumpers, assinado em 2003 por Tad Friend), o filme comecou por obrigar Eric Steel a uma longa etapa de monitorização do tabuleiro da ponte. Dia após dia, ao longo de 2004, apontou a objectiva aos transeuntes, conseguindo filmar suicídios, assim como muitas tentativas frustradas de saltos. Estas imagens, das quais surge uma medula de imagem real que sustenta a coluna vertebral narrativa do filme, definem histórias. E conduziram depois o realizador ao encontro de pessoas ligadas aos respectivos suicidas (familiares, amigos, numa ocasião mesmo um sobrevivente a queda). Essas entrevistas fornecem o texto que escutamos, no qual cada um tenta, mais que libertar culpas, compreender a situação de desespero que conduziu a tão definitivos saltos. Emotivo, o clima construído pela soma das palavras que escutamos nas entrevistas e a consequente justaposição das imagens reais captadas algum tempo antes, tudo sublinhado por uma quase pacífica banda sonora de Alex Heffes (que lembra, por vezes, a música que Peter Nashel compos para The Deep End, de Scott McGehee e David Siegel). De resto, são frequentes as sequências de quase silêncio, apenas as notas ao piano e planos da ponte em dia "normal", bailados para carros em movimento, nuvens pelo meio, barcos e ondas em baixo, em contraste com os golpes de outras realidades que, muitas vezes, encaramos em primeira descoberta como apenas o som de algo que cai na água.
Nunca "voyeurístico", nunca vampírico, o interesse do realizador pelos casos que retrata ajuda a construir rostos e histórias pessoais, mais intensos que apenas os números com os quais as estatísticas fazem da Golden Gate o local mais procurado por suicidas. De resto, o enumerar final dos nomes dos 24 suicídios ali registados ao longo do ano durante o qual Eric Steel olhou de perto a ponte deixa-nos, contadas as suas histórias, com a sensação de que cada caso não foi apenas mais um número. Mas sim o fim trágico de mais uma história humana difícil.
PS. O filme foi já adquirido por uma distribuidora portuguesa. Esperemos que não apenas para cedência a pontual festival, com ordem discreta para edição em DVD logo a seguir...