O mundo conclui o ano de 2006 sob o signo das imagens de Saddam Hussein a ser preparado para a morte por enforcamento. Nesta afirmação, repare-se, o essencial da mensagem não está no factual (“a ser preparado para a morte”), mas no destinatário global (“o mundo”). Dito de outro modo: o planeta em que vivemos (e matamos os nossos semelhantes) consome imagens deste género como coisa natural, naturalmente integrada nas suas sagradas rotinas.
Não estou a discutir o que se “deveria” ou “não deveria” mostrar face às imagens disponíveis. O tema não é banal e, por exemplo, não posso deixar de reconhecer que há diferenças complexas entre a opção da BBC (que cortou as imagens antes de se ver a colocação da corda no pescoço de Saddam) e a que foi seguida por canais como a CNN ou a France 24 (reproduzindo na íntegra as imagens recebidas). Seja como for, não aceito pensar em função da ideologia métrica de muitos directores de informação (televisiva) que apaziguam a sua consciência com avaliações pueris sobre o “muito” ou o “pouco” que mostram, o “perto” ou o “longe” das suas imagens.
Entendam-me: também não estou a tentar lançar a “enésima” discussão sobre as relações entre a brutalidade da ditadura de Saddam e as muitas formas de violência que proliferam no Iraque desde a invasão pelos militares dos EUA. Trata-se apenas de preencher o breve espaço desta coluna de texto com o reconhecimento de uma verdade que, por norma, os responsáveis televisivos e os decisores políticos recusam enfrentar: a de que vivemos num regime pornográfico das imagens em que tudo, mas mesmo tudo (incluindo a morte premeditada de um homem), é tratado como acontecimento “normal” no interior de um fluxo de imagens que tende para a indiferença.
É preciso voltar a questionar todas essas pessoas que, de facto, objectivamente, seguem opções e tomam decisões que delimitam o nosso imaginário quotidiano (feito de imagens e ideias sobre as imagens). É preciso dizer-lhes, sem azedume, mas com grande firmeza moral, que são eles que fazem este mundo mediático que expõe rituais de morte com a mesma indiferença com que retrata alguma personagem incauta numa casa de banho de um qualquer Big Brother. Que em 2007 essas pessoas, ao menos, arrisquem pensar naquilo que fazem.
Não estou a discutir o que se “deveria” ou “não deveria” mostrar face às imagens disponíveis. O tema não é banal e, por exemplo, não posso deixar de reconhecer que há diferenças complexas entre a opção da BBC (que cortou as imagens antes de se ver a colocação da corda no pescoço de Saddam) e a que foi seguida por canais como a CNN ou a France 24 (reproduzindo na íntegra as imagens recebidas). Seja como for, não aceito pensar em função da ideologia métrica de muitos directores de informação (televisiva) que apaziguam a sua consciência com avaliações pueris sobre o “muito” ou o “pouco” que mostram, o “perto” ou o “longe” das suas imagens.
Entendam-me: também não estou a tentar lançar a “enésima” discussão sobre as relações entre a brutalidade da ditadura de Saddam e as muitas formas de violência que proliferam no Iraque desde a invasão pelos militares dos EUA. Trata-se apenas de preencher o breve espaço desta coluna de texto com o reconhecimento de uma verdade que, por norma, os responsáveis televisivos e os decisores políticos recusam enfrentar: a de que vivemos num regime pornográfico das imagens em que tudo, mas mesmo tudo (incluindo a morte premeditada de um homem), é tratado como acontecimento “normal” no interior de um fluxo de imagens que tende para a indiferença.
É preciso voltar a questionar todas essas pessoas que, de facto, objectivamente, seguem opções e tomam decisões que delimitam o nosso imaginário quotidiano (feito de imagens e ideias sobre as imagens). É preciso dizer-lhes, sem azedume, mas com grande firmeza moral, que são eles que fazem este mundo mediático que expõe rituais de morte com a mesma indiferença com que retrata alguma personagem incauta numa casa de banho de um qualquer Big Brother. Que em 2007 essas pessoas, ao menos, arrisquem pensar naquilo que fazem.
* Publicado no Diário de Notícias (31 Dez. 2006), com o título 'Pornografia global'.