Publicado em 1994, Extensão do Domínio da Luta foi o primeiro romance de Michel Houellebecq, texto relativamente curto e directo que, ainda longe de ser ostensiva manifestação do “escritor incómodo” (rótulo que, com excessiva facilidade, lhe é hoje atribuído), já indiciava o aprendiz de misantropo que se manifestaria, sobretudo, nos magistrais As Partículas Elementares, Plataforma e A Possibilidade de Um Ilha . Extensão do Domínio da Luta é, acima de tudo, uma história de desistência. Claramente autobiográfico – “não gosto de gente (...) a sociedade na qual vivo deprime-me”, coloca na mente do protagonista, em evidente materialização de um pensamento seu –, o livro é um exorcismo discreto de um historial de depressão, projectando numa personagem ficcional um deambulatório de frustrações, solidão e consultas com psiquiatras e psicanalistas, estes últimos a conhecerem, em primeira mão, a acidez da crítica mordaz que com o tempo se tornaria recorrente nos livros de Houellebecq. Sobre os psicanalistas diz o escritor serem um grupo “regaladamente remunerado” que “sob o pretexto da reconstrução do eu (...) procedem na verdade a uma escandalosa destruição do ser humano. Inocência, generosidade, pureza... tudo isto é rapidamente triturado por entre essas mãos grosseiras”.
No centro da história está um homem absolutamente comum. Tem 30 anos, um emprego relativamente estável numa empresa de informática a quem o Ministério da Agricultura comprou software e solicitou serviços de formação. Eis-nos, então, perante um dos dois membros da equipa de formadores, o colega sendo um jovem ainda mais soturno, de 28 anos, virgem, e absolutamente incapaz de triunfar em qualquer tentativa de conquista junto do sexo oposto. Solitários. O não-herói protagonista não tem companhia feminina desde que se afastou de Veronique, há dois anos, depois desta passar por uma psicanálise. Conhecemo-los em Paris, de casa para o escritório, vazio idêntico no complementar movimento pendular ao fim do dia. O contrato com o Ministério leva-os a pequenas cidades que acentuam as suas frustrações. Um internamento hospitalar de emergência em cidade de província, uma morte acidental, um amigo padre que perde a vocação, umas jovens de roupas justas dançando numa discoteca na noite de Natal e a consciência do mergulho na depressão, psiquiatra pouco interessado pelo caso visitado logo que compreendidos os sintomas, são cenas e figuras que se sucedem num mundo que é o nosso, actual, agressivo e alheado. Cenas e figuras que disparam, por vezes, sintéticas e claras reflexões que passam pela dissecação do capitalismo “como o sistema mais natural (...) o que indica também que deve ser o pior dos sistemas”. Pela simbólica evocação da morte de Robespierre, pela eutanásia, pela sexualidade... Longe do vigor de textos posteriores, já uma clara manifestação de um espírito inquieto, magoado, nunca desistente. E, aqui, a demarcação entre o ficcional e o real que resolve a relação do escritor com esta sua personagem.
PS. Texto originalmente publicado na revista '6ª', do Diário de Notícias