quinta-feira, dezembro 07, 2006

Em conversa: Lisa Germano (2)


O álbum editado este ano por Lisa Germano, In The Maybe World, tem uma temática central bem evidente, transversal a várias canções: a morte. Não foi intenção sua sentar-se, noite após noite, para escrever um disco sobre a morte. “Até porque o disco é mais sobre o oposto da morte”, explica. “É sobre aceitação. Em algumas canções falo da aceitação de algo que morreu. Mas do ponto de vista positivo. Quando as pessoas ouvem dizer que fiz um disco sobre a morte começam logo a abanar a cabeça e a pensar que raio de coisa é que ela foi fazer desta vez… Estava apenas a tentar ultrapassar certas situações. Por exemplo, quando o meu gato morreu, escrevi uma canção [Golden Cities] sobre o tempo em que pegava nele, vivo. E por isso não é uma canção triste. E pensar na morte dele fez-me olhar para a ideia de outra forma, talvez com menos medo. No In The Maybe World falo dos pássaros que esse mesmo gato dantes apanhava no telhado e depois trazia para a sala e matava. Matava-os e oferecia-mos. É o que os gatos fazem! Eu dizia-lhe que não o devia fazer, mas depois tive de reconhecer que o que ele estava a fazer era trazer-me uma oferenda. A canção é sobre essa memória do pássaro que num instante estava vivo e no outro já não. E faz-me, sobretudo, pensar que tenho de saborear a vida”, conclui.
Um disco sobre a morte não é, para Lisa Germano, um depoimento sobre a transcendência. “Acredito na energia. Acredito em energia espiritual”, avança, quando questionada se crê em algumas das visões de eventual existência depois da morte segundo as mais variadas fés. “Não sei se regressarei como eu mesma. Nem se levaremos para uma eventual próxima vida aquilo que aprendemos nesta. Mas acredito que a energia que temos e deixamos neste mundo fica por cá. Fica, e pode ganhar novas formas. E talvez regressar noutras formas de vida… Nenhum de nós sabe sobre o que nos espera… Mas sabe melhor acreditar nisto, que pensar apenas que acabou e ponto final. A vida envolve tanto trabalho”, diz. A morte habita hoje entre as reflexões de Lisa, mas não é para si uma agenda prioritária. “A morte não deixa de ser uma realidade triste”, acrescenta. “A morte é o que é, e ninguém a deseja ou quer aceitar. Mas se a temermos menos poderemos levar uma vida mais feliz. Fazemos tantas coisas por temermos a morte… Mantemo-nos em más relações por medo que morram. Ou não falamos da morte, porque receamos que ao falar sobre ela a poderemos causar… É um tabu. Mas não estou a tentar dizer que devemos ficar satisfeitos e sorridentes ao pensar na morte. Nada disso!”, alerta.
Para Lisa, este disco, e as conversas que desencadeou, são um contributo positivo para alguém que, durante muito tempo, encarava a morte como receio. É um assunto poderoso para quem sobre ele escreve porque esta “é uma realidade sobre a qual não temos qualquer controlo. Não podemos deixar de morrer quando estamos a morrer. O sentido de vulnerabilidade maior que temos é a certeza de que vamos morrer”, defende. Mas, acrescenta, “podemos ver mais esta realidade como uma mudança”. E fala na sua mãe, “mais budista”, para quem a morte é uma coisa do quotidiano, “como no seu jardim, onde as plantas vivem e morrem”. Já o seu pai, italiano, é bem diferente. “Sendo católico, a sua visão é completamente diferente”.
Este diálogo levou-nos a pensar depois sobre as formas como as mais diversas culturas reagem à morte e “celebram” os funerais dos seus. Um claro contraste surge, imediatamente, entre os velórios e funerais de silêncio entre portugueses e os lanches familiares que nos habituámos a ver em filmes entre americanos e, acrescenta Lisa, italianos [a cantora é descendente de ítalo-americanos]. “Muitos dos funerais a que fui tinham comida… Celebrava-se a vida. As italianas mais velhas carpiam. O que era horrível. Mas deveríamos, antes, celebrar a vida de quem morreu”, sublinha. “O silêncio também me parece ser uma forma de mostrar respeito. Há muitas formas de luto… Mas há 16 anos, quando o meu avô morreu, divertimo-nos muito no seu funeral. Ele era um homem divertido, positivo. Teria gostado mais que nos divertíssemos que se estivéssemos calados. Não se podia fazer mais nada… Agora isso não me impede de me sentir profundamente triste quando sei da morte de alguém de quem gostava”. Falar sobre a morte é, mesmo assim, uma potencial convocatória de tristeza. Mas nunca de depressão. Até porque são realidades bem diferentes. E não há coisa que entristeça mais Lisa Germano que ler, em críticas ou comentários, que a sua música é deprimente… “Pelo contrário, o maior elogio que posso ler é quando alguém refuta essas ideias e diz que a música é positiva. É uma música triste, porque sou uma pessoa melancólica. Mas não depressiva. A tristeza deixa que nos expressemos sobre o que sentimos. Podemos escrever canções, chorar, rir, celebrar… A depressão paralisa-nos”.
(continua amanhã)
P.S. Entrevista originalmente publicada na revista '6ª', do Diário de Notícias