Texto originalmente publicado na revista '6ª', do Diário de Notícias
segunda-feira, novembro 27, 2006
Cuidado com o... colesterol
Elegante e certeira, uma das melhores comédias do ano opta pelo humor bem escrito em detrimento da caricatura fácil. Primeira longa-metragem de Jason Reitman (filho de Ivor Reitman, o realizador de Ghostbusters), Obrigado Por Fumar (Thank You For Smoking, no original) adapta o livro homónimo de Christopher Buckley, e sabe das páginas fazer cinema. Integrando elementos da linguagem televisiva como consequente elemento com peso cénico e narrativo (não enquanto solução de realização), esta é a história de Nick Naylor (Aaron Eckhart), um lobista que trabalha como porta voz de uma academia de estudos sobre tabaco, na verdade um afloramento disfarçado (mas não tanto assim) das grandes tabaqueiras. Não lhe falta a palavra, o espírito, a lata, o oportuno desvio da atenção, seja em trabalho, seja nas conversas com o filho, que o tem por ídolo e que, quando pergunta ao pai porque é o governo americano o melhor do mundo, ouve como resposta: “o seu infindável sistema de recursos jurídicos”...Em cruzada pela devolução de um estatuto de glamour ao tabaco, engendra com um anedótico mega-agente new-age-zen-sushi (e por aí adiante) uma eventual cena de fumo num potencial blockbuster de ficção científica. Em serviço ao decano dos tabaqueiros, suborna o insubornável ex-Marlboro Man vitimado por doença incurável... Em defesa dos que lhe pagam o ordenado, enfrenta um senador anti-tabagista (William H. Macey) que, a dada altura, quer apagar, digitalmente, os cigarros dos filmes clássicos dos anos 30 e 40. Em hora de almoçar, junta-se ao MOD Squad (de Merchants of Death), trio que a ele junta os lobistas pelo álcool e armas... Em busca de boa imagem, cai na cama de uma bela jornalista, e o artigo sai-lhe pela culatra. Mas, eventualmente, terá resposta. Porque, além da comédia, Obrigado Por Fumar é, também, um interessante e inteligente manifesto de resistência do poder da argumentação pela palavra, numa era de fácil esgotamento de mensagens pela imagem´.