No dia 5 de Outubro, data de comemoração de mais um aniversário da fundação da República Portuguesa, a RTP — isto quer dizer: "Rádio Televisão Portuguesa" — achou por bem abrir o seu Telejornal das 20h00 com uma longa abordagem (mais de 10 minutos) de um típico fait divers da mais medíocre imprensa tablóide: o assalto a um banco, com sequestro de algumas pessoas, ocorrido em Setúbal. Como é possível que o canal dito de serviço público tenha chegado a esta degradação de valores jornalísticos e a esta vulgarização moral do próprio país que somos?
Argumentar-se-á, e com toda a legitimidade, que um caso como este pode reflectir profundos desequilíbrios sociais, sintomáticos de alguns problemas complexos que, enquanto colectividade, os portugueses enfrentam. Nesse caso, seria pelo menos discutível a colocação da análise de tal complexidade num serviço informativo. Mas não é isso que está em causa. E deixemo-nos de tretas: a abordagem proposta pela RTP estava ao nível da mais vulgar informação (?) de mirones, e para mirones, explorando o caso da forma mais banal e especulativa.
Isto acontece no mesmo dia em que o Presidente da República faz um discurso alusivo à data, abordando em particular os problemas da corrupção e a necessidade de moralização da vida pública. No mesmo dia, ainda, em que os professores se mobilizam contra as políticas do Ministério da Educação ou, para citarmos apenas uma notícia de âmbito internacional, a diplomacia russa intensifica os seus esforços para contrariar a decisão da Coreia do Norte de efectuar mais um teste nuclear.
Podemos discutir os critérios jornalísticos da SIC e da TVI, podemos até discordar das suas opções de fundo. Mas, hoje pelo menos, não fizeram nada que se parecesse com esta atitude de celebração escatológica do país que somos (ou que querem que sejamos). E deixemo-nos ainda de mais tretas: que a RTP não se escude no discurso demagógico de que não faz telejornais para os "intelectuais" ou para satisfazer as "elites". Não tem que fazer. O problema está em que escolhas deste género induzem uma visão do quotidiano — e um conceito de colectividade — em tudo, e por tudo, contrário a qualquer sentido de pedagogia informativa e social. Vale a pena ser ainda mais explícito e dizer, sem ambiguidades: num telejornal pensado a partir de um conceito consistente e construtivo de intervenção da informação junto dos cidadãos, a notícia do assalto em Setúbal nem sequer encontraria lugar.
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Argumentar-se-á, e com toda a legitimidade, que um caso como este pode reflectir profundos desequilíbrios sociais, sintomáticos de alguns problemas complexos que, enquanto colectividade, os portugueses enfrentam. Nesse caso, seria pelo menos discutível a colocação da análise de tal complexidade num serviço informativo. Mas não é isso que está em causa. E deixemo-nos de tretas: a abordagem proposta pela RTP estava ao nível da mais vulgar informação (?) de mirones, e para mirones, explorando o caso da forma mais banal e especulativa.
Isto acontece no mesmo dia em que o Presidente da República faz um discurso alusivo à data, abordando em particular os problemas da corrupção e a necessidade de moralização da vida pública. No mesmo dia, ainda, em que os professores se mobilizam contra as políticas do Ministério da Educação ou, para citarmos apenas uma notícia de âmbito internacional, a diplomacia russa intensifica os seus esforços para contrariar a decisão da Coreia do Norte de efectuar mais um teste nuclear.
Podemos discutir os critérios jornalísticos da SIC e da TVI, podemos até discordar das suas opções de fundo. Mas, hoje pelo menos, não fizeram nada que se parecesse com esta atitude de celebração escatológica do país que somos (ou que querem que sejamos). E deixemo-nos ainda de mais tretas: que a RTP não se escude no discurso demagógico de que não faz telejornais para os "intelectuais" ou para satisfazer as "elites". Não tem que fazer. O problema está em que escolhas deste género induzem uma visão do quotidiano — e um conceito de colectividade — em tudo, e por tudo, contrário a qualquer sentido de pedagogia informativa e social. Vale a pena ser ainda mais explícito e dizer, sem ambiguidades: num telejornal pensado a partir de um conceito consistente e construtivo de intervenção da informação junto dos cidadãos, a notícia do assalto em Setúbal nem sequer encontraria lugar.