É sem dúvida um dos filmes do ano. Comédia, sim, mas de medula dramática, a disfuncionalidade de uma família por objecto, a sua capacidade de resistência à desagregação por teste, um confronto com uma das mais imbecis realidades do showbiz por destino.
Em notas breves esta é a história de uma família americana igual a tantas outras. Os Hoover. O pai, Richard (Greg Kinnear) é um daqueles inventores de psicologia barata self help, dono de uma visão redutora do mundo que comporta apenas uma única dialéctica, a que opõe vencedores a vencidos. Rabiscou um livro (igual a tantos que vemos nas livrarias) que explica os nove passos para qualquer um se sagrar vencedor, e não pensa senão na sua edição. A mãe, Sherryl (a sempre genial Toni Colette) é a cola que une a casa. Compra frango de churrasco para todas as refeições, deita água em todas as fervuras. E espera que o marido consiga editar o livro, daí nascendo o primeiro de eventuais nove passos para resolver as finanças periclitantes da casa. Os filhos são dois. Ele, Dwayne (Paul Dano) resolveu fazer um voto de silêncio por um futuro como piloto de jactos. Tem um poster de Nietzsche no quarto e parece um alienígena entre os Hoover. Ela, mais nova, Olive (Abigail Breslin), t4em por sonho competir num concurso de beleza infantil, para tal passando tardes a fio a praticar uma série de números, sob orientação do avô. É rechonchuda e o seu futuro adivinha corpinho XXL... E todo o seu mundo quase entra em colapso quando o pai, em mais um duelo entre vencedores e vencidos, lhe diz que a Miss Califórnia não come gelados... O avô que a treina, Edwin (Alan Arkin), ainda não perdeu velhos ímpetos mulherengos, e não perde oportunidade para os revelar. E falta o tio, Frank (Steve Carell), recentemente destronado do estatuto de maior especialista americano em Proust na sequência de um amor frustrado com um aluno, uma tentativa de suicídio e um despedimento pela universidade onde dava aulas.
Estes são os ingredientes. Agora a sua confecção...
Regressado do hospital, o tio acaba em casa dos Hoover, o pai horrorizado pela franca explicação da sua história, a de um perdedor, claro. Em mais um almoço de frango, um telefonema confirma a possibilidade de inscrição da pequena Olive no desejado concurso (Little Miss Sunshine), partindo a família numa carrinha Volkswagen, de embraiagem avariada, rumo à Califórnia, a mais de mil quilómetros de distância. A viagem é atribulada, mais ainda o sendo o concurso, horrível exposição de barbies amestradas com ar mais plástico que o das respectivas mamãs, embevecidas perante os sorrisos dos rebentos que desfilam em vestido de noite ou fato de banho... Com os Hoover pelo meio, espera-se o pior (ou, antes, o melhor...).
Sem querer obrigar-nos a uma ordem moral, o filme não deixa de coleccionar um conjunto de caricaturas, da euforia self help aos concursos de beleza, algumas instituições igualmente “não poupadas” pelo caminho... No final, a certeza da força de coesão da unidade familiar, a única capaz de resistir às mais diversas e centrífugas histórias de potencial desagregação.
Sublinhe-se ainda ser esta uma primeira obra para cinema de uma dupla de realizadores – Jonathan Dayton e Valerie Faris – que somam já vasta obra na qual se incluem telediscos para bandas como os R.E.M., Smashing Pumpkins ou Red Hot Chilli Peppers.
Nota final para o título que o filme exibirá nas salas portuguesas. Little Miss Sunhine vira Uma Família À Beira de Um Ataque de Nervos... Imaginação não falta aos distribuidores nacionais em hora de baptismo. Pena que a imaginação não se adapte ao registo dos filmes aos quais teimam em dar nome... Não bastava... Litte Miss Sunshine? Ou, a ter de se fazer tradução, "Pequeno Raio de Sol" (com muitas leituras possíveis)?