sexta-feira, outubro 13, 2006

Nova Iorque, cidade rock'n'roll (3)

Ao mesmo tempo que o rock’n’roll se transformava numa oferta apetitosa para massas, uma importante multidão de talentos irrequietos, herdeiros de caminhos cruzados entre a cultura das letras, das artes plásticas e da música começavam a sonhar outras formas de expressão nascidas de raiz rock’n’roll. Em caves, armazéns e sótãos do East Village, cruzando experiência com pintores e escritores, entre galerias de arte e revistas de vanguarda, novas ideias floresceram. Primeiro com os Fugs (juntando um discípulo de Ginsberg transformado em poeta beat recém-chegado do Misouri, Ed Sanders, e Tuli Kupferberg, este um ex-aluno de sociologia em Brooklyn), com primeiras apresentações em pequenas salas do Village como o Folklore Center, no Plymouth Theater ou no American Poets Theatre em 1964. O outro nome a emergir deste submundo nasceu do encontro de jovens encantados pela força dos Beatles, mas decididos a transportar para a sua música a carga de metal e betão da cidade e toda a sua vivência de rua. Como forças criativas o grupo juntava duas almas nos antípodas um do outro: o pianista e violetista galês chamado John Cale que tinha trabalhado com o minimalista La Monte Young em circuitos de vanguarda, e o jovem nova-iorquino Lou Reed, até então funcionário da Pickwick Records para a qual escrevia canções a metro. A banda, naturalmente os Velvet Underground, cativou a atenção de Andy Warhol, um dos cérebros da pop art, que logo os assimilou e transformou em projecção da sua arte. Mérito ou não de Warhol, a ligação aos Velvet Undreground determinou um fulcral momento de encontro do rock’n’roll com um sentido de intervenção artística. E criou, definitivamente, as bases para o que hoje entendemos como rock alternativo. Das apresentações nos shows multimedia Exploding Plastic Inevitable em St Marks Place aos concertos em clubes da zona sul da cidade, com e depois sem Warhol, os Velvet Underground viveram uma curta mas marcante obra criativa, fulcral na definição de novas referências culturais para a cidade.

Entre os muitos bares nos quais actuaram, os Velvet Underground pasasaram pelo Max’s Kansas City, clube fundado na Park Avenue e que tivera a sua estreia rock’n’roll em 1967 quando Brian Epstein ali encenou uma conferência de imprensa dos Beatles. O clube, cuja sala de traseiras foi imortalizada em Walk In The Wild Side de Lou Reed e serviu as estreias em Nova Iorque ds Springsteen ou dos Aerosmith, teve depois importante projecção em inícios de 70, palco igualmente importante para a exposição dos ousados New York Dolls, todavia mais regularmente encontrados no palco do Mercer Arts Center, no Village. Assimilação local do ideário glam, transformando-o em realidade mais ameaçadora que vaudevillesca, o grupo foi projecção de uma ideia shock-rock num colectivo que lançou bases estéticas fundamentais para a revolução punk quem em meados de 70 faria da cidade uma das mais importantes capitais rock’n’roll do mundo. Rival do Max’s, o CBCB (na Bowery), criado pelo dono como clube de country, bluegrass e blues, acabou por fazer daquele rés do chão na Bowery a maternidade do punk. Eleito pelas bandas e por uma multidão jovem cansada dos dinossauros hard rock que dominavam as tabelas de vendas, o CBGB aceitou residências regulares de uma série de novos artistas que em si herdavam o sentido de urgência criativa dos Velvet Underground, a rapidez e melodismo ruidoso dos New York Dolls, a rebeldia imparável de Iggy Pop e uma nova materialização do clássico sentido de rua característico das diversas gerações de músicos da cidade, esta manifestando os desencantos, angústias e raivas do seu tempo. Mais conhecida pela sua obra poética, Patti Smith acabou ali transformada em ícone rock (mais tarde designada como madrinha do punk, termo nunca satisfatório para descrever em pleno a sua obra), tendo sido a primeira da geração CBGB a ganhar um contrato para gravar um álbum. Como ela ganharam ali notoriedade os Television (do seu ex-namorado Tom Verlaine), Richard Hell (um ex-Television a solo), os Ramones e os Blondie (estes liderados pela loura Debbie Harry, em tempos empregada de mesa no Max’s). O nome do movimento proveio de um fanzine que apareceu nas ruas de Manhattan em Janeiro de 1976, no qual o editorial dizia: “morte ao disco de merda! Viva o rock! Mata-te. Salta de um penhasco. Crava agulhas na cabeça. Transforma-te em robot e emprega-te na Disneylândia. Overdose. Tudo. Mas não ouças disco (…). Leiam a Punk!”. Básico, sim, mas claramente um manifesto. (continua amanhã)
PS. Este texto foi originalmente publicado no DNmúsica em Agosto de 2005

Fotos:
1. O CBGB e o CB's Gallery, na Bowery
2. Pormenor interior no CB's Gallerey

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