Gothic Archies “The Tragic Treasury”
Nove anos depois da sua primeira gravação nos Gothic Archies, Stephin Merritt lança um segundo disco de canções sombrias, feitas de histórias tenebrosas, todas elas inspiradas por situações ou personagens das histórias de Lemony Snicket publicadas em livro como A Series Of Unfortunate Events. Lemony Snicket é, mais quem um pseudónimo ou heterónimo, uma personagem criada pelo escritor Daniel Handler (que já colaborou, como acordionista, em discos dos Magnetic Fields), através da qual assinou a série de livros acima referida, o décimo terceiro (e último) volume a lançar na próxima semana, coincidindo com a edição do álbum dos Gothic Archies. As histórias, todas elas ensopadas em desgraça, estimularam a composição de um ciclo de canções, uma por cada livro, às quais se junta Walking My Gargoyle (originalmente apresentada na versão áudio original do livro The Carnivorous Carnival) e We Are The Gothic Archies, assinatura, em jeito de ex-libris, que encerra o alinhamento do disco. A ideia, que partiu na sequência da gravação, pelos Gothic Archies, de um tema-título para as versões em audio book dos livros de Lemony Snicket, transformou-se num consistente ciclo no qual o próprio Daniel Handler participa, vestindo a pele da sua criação. Musicalmente, longe da mais evidente herança “gótica” do EP de 1997, The Tragic Treasury toma as electrónicas por ferramentas, revelando-se a mais evidente herança directa do som dos Magnetic Fields de finais de 90 na obra recente de Stephin Merrit. Aas canções são simples, curtas e directas, opção novamente evidente pela essência da ideia, evitando sempre a sua diluição pela repetição. As letras, hilariantes, captam dos livros marcas de situações ou personagens, revelando um certo surrealismo macabro em tudo familiar ao universo que lhes serve de matéria prima. A soberba voz cava de Stephin Merritt é golpe de misericórdia que reforça unidade e sublinha a caracterização de luminosidade zero desejada. O seu melhor disco desde as 69 Love Songs de 1999 (via Magnetic Fields).
The Killers “Sam’s Town”
À primeira audição, a sensação de desencanto é absoluta, as comparações com os híbridos pop/rock, escola new wave, do álbum de estreia a revelar novo caminho decididamente menos inspirado (e inspirador). Com o tempo há duas ou três faixas que ganham espaço pela familiaridade, mas mesmo assim, vencido o impacte da mudança, fica entre nós a certeza de não estarmos perante o mesmo corpo de canções que fez de Hot Fuss um dos primeiros laboratórios recentes de reinvenção, segura, de modelos colhidos nas memórias do pós-punk britânico. O grupo quis fazer um disco de barba rija, guitarras mais presentes, teclas à descrição, melodias com menos vontade de libertar ímpetos pop e rumar a devaneios desconhecidos... Resultado? Um puré de electricidade bem produzida, mas onde a intensidade herdada (mesmo que depurada) de heranças punk dá lugar a uma pompa inconsequente, cheia de nada. Muitos enfeites para poucas verdades, num dos discos mais equívocos do ano.
The Whitest Boy Alive “Dreams”
Erlend Oye deve ter sido uma criança problemática, os paizinhos rapidamente habituados que a dizer que sim a tudo o que fazia, a rir a todas as gracinhas, a ter de gostar de todas as novas invenções. E hoje, quem paga as favas somos nós! A cada nova temporada resolve criar música num sentido aparentemente diferente, como se fosse génio multifacetado capaz de semelhantes feitos em todos os departamentos. De facto tem nos Kings Of Convenience um dos mais interessantes laboratórios de reinvenção de modelos da canção acústica da actualidade. Saiu-se bem em aventura na canção electrónica num disco a solo cheio de amigos. Teve graça como DJ cantor, se bem que rapidamente mostrou não saber fazer mais nem melhor que as gracinhas rodadas no primeiro dia por detrás dos pratos. Agora quer ser vocalista de banda com mais electricidade (mesmo que moderada) e evidentes heranças colhidas no pós-punk sombrio da Inglaterra de finais de 79 e inícios de 80. Mais pálido que branco, nem uma só ideia interessante se vê (ou escuta). Canções banais, iguais, para uma voz sempre no mesmo tom. E umas férias?
The Pipettes “We Are The Pipettes”
Lançado há já alguns meses via iTunes (e lá por fora), só agora chega aos escaparates das nossas discotecas um dos discos que mais deu vontade de ouvir no Verão... que já acabou! Trata-se do álbum de estreia de três meninas inglesas, as Pipettes, que contam inevitavelmente com a ajuda de três rapazes, os cassetes. Juntos abrem uma janela na memória de 60 rumo a um reencontro com a pop festiva e hedonista das velhas girl bands (sobretudo as Shangri-Las), nas juntam-lhes pontual sujidade e intensidade indie actual. Muitas das canções do álbum respiram saboroso ar de pastiche a pérolas pop de um tempo perdido. Mas outros há, como a soberba faixa de abertura We Are The Pipettes, em que uma urgência que parece coisa de riot grrrl (ligeiramente amansada) vinca mais ainda as essas marcas indie que garantem estarmos perante um projecto com identidade em construção e não meras aplicadoras de nostalgias fáceis.
Charlotte Gainsbourg “5.55”
Mais luxo pop na construção de uma equipa de trabalho não podia ter havido. Air, Jarvis Cocker, Neil Hannon? Mas no fim a prova de que a soma das partes pode não igualar o todo acaba evidente num disco desinspirado, onde o chique não basta, a graça se esgota em histórias de famosos, a monotonia é visível. Moldura a mais para pintura a menos, um exemplo claro de disco feito com mais hype que música, com mais sorrisos e fotos em revistas que em horas úteis de real criação. Salva-se uma boa canção de abertura, um curioso pastiche à etapa B.B. do “pai” Gainsbourg em The Songs That We Sing. E nada mais. Tiro ao lado!
Arthur Russell “Another Thought”
Another Thought nasceu postumamente de um trabalho de recolha de canções feito por Mikel Rouse. Mais luminosas que as de World Of Echo (reeditado em 2004), são canções de personalidade vincada, as linhas melódicas sugeridas pelo violoncelo, a voz murmurando palavras sobre o edifício final que nos sugere um mundo irreal algo localizável entre a canção de embalar e as artes de vanguarda. A repetição de elementos, que colhe memórias dos dias em que militou numa história budista em inícios de 70, e se compara por vezes aos ostinatos de Philip Glass, é característica frequente num mundo de sonhos que sugere o mesmo sentido de belo impoluto que encontramos nos discos de um Nick Drake. Fundamental para (re)descobrir faces menos mediatizadas entre as memórias de Arthur Russell.
Também esta semana: Arrested Development, Juliette & the Licks, Black Keys, Four Tet (remisturas), Cerys Mathews, The Answer, The Datsuns, The Bluetones, I Am Ghost, Koop
Brevemente:
16 de Outubro: Beck (edição nacional) U-Clic, Maximilian Hecker, Osvaldo Golijov (ópera), Mercury Rev (best of), Depeche Mode (3 reedições e um DVD), Chuck E Weiss, Plague Songs, Yo La Tengo, Jesus & Mary Chain (reedição)
23 de Outubro: Sérgio Godinho, The Byrds (caixa), Pet Shop Boys (ao vivo), Robbie Williams, Bright Eyes (raridades), Luna (best of), Acorda (compilação)
30 de Outubro: The Gift (ao vivo), Goldfrapp (remisturas), Agnés Jaoui, M Ward, Joseph K (antologia)
Novembro: Sam The Kid, Protocol, Goldfrapp (remisturas), Duran Duran (2 reedições), Clinic, Jay Jay Johansson, Isobel Campbell, Aimee Mann, Humanos (ao vivo), Mariza (ao vivo), Tom Waits, Moby (best of), Jarvis Cocker, Sons & Daughters, Bryan Ferry, The KBC, Third Eye Foundation, JP Simões
Estas datas provém de planos de lançamento de diversas editoras e podem ser alteradas a qualquer momento
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