quarta-feira, setembro 27, 2006

Música de intervenção

Num tempo de celebração do centenário de Shostakovitch faz todo o sentido o reencontro com um dos mais espantosos documentários televisivos recentemente criados sobre a sua vida e obra. Shostakovitvh Against Stalin: The War Symphonies, de Larry Weinstein (disponível em DVD), toma por fio condutor uma série de performances sob direcção de Valery Gregiev, levando-nos, entre 1935 e 1945 (ou seja, entre a quarta e nona sinfonias), a descobrir a intensa relação entre a música de Shostakovitch e o seu tempo político em que nasceu, a forma como dele ganhou consciência e sobre o qual agiu. Imagens de época cruzam-se com planos actuais e entrevistas a familiares, amigos, o próprio Shostakovitch e outros compositores, permitindo-nos compreender como esta música retratou e reflectiu sobre os anos de terror sob o jugo despótico de Estaline e como o grande líder oscilou entre posições de confronto e elogio ao compositor, aceitando o que leu como episódios de glória e resistência (sobretudo na forma da 7ª Sinfonia, recusando a crítica ou sarcasmo (bem visível na 9ª).
Explícita sobre retratos falados que contextualizam o tempo em que cada obra nasceu, a música de Shostakovitch é aqui claramente lida na sua identidade política, como expressão natural de um compositor que viveu e assimilou o seu tempo. Mostra como o partido tentou sempre encaminhar um reconhecido talento, acusações de formalismo e de “música feita contra o povo” a cada episódio potencialmente incómodo. Mas, ao mesmo tempo, a fibra e tenacidade de um homem austero e discreto que nunca deixou de traduzir na sua arte reflexões sobre o totalitarismo e o medo colectivo e que, sobre a sua célebre 7ª, canto de resistência de Leningrado (hoje novamente São Petesburgo) contra os alemães, lembrando que também esta é uma música sobre uma cidade que Estaline sistematicamente vinha a destruir, trabalho que Hitler tentou depois concluir.

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