sexta-feira, setembro 29, 2006

A história de Story

É um dos mais espantosos cenários que, em tempos recentes, se viram em cinema. Concebido por Martin Childs (Oscar de melhor direcção artística em 1999, com A Paixão de Sahkespeare), trata-se de um condomínio — a acção passa-se em Filadélfia — que possui, de uma só vez, a aparência banal de um lugar para cidadãos sem história e a vocação transcendental de um templo onde cada um vai pôr à prova a sua identidade e o seu destino.
A história de A Senhora da Água é conhecida: o guarda do condomínio, Cleveland (Paul Giamatti), depara com uma ninfa, Story (Bryce Dallas Howard), que assombra a piscina — em boa verdade, ela vem do Mundo Azul e necessita dos humanos para cumprir a tarefa do seu regresso. Mas é uma história que importa seguir para além dos automatismos do dossier de imprensa que o jornalismo mais preguiçoso repete sem se empenhar em olhar o que tem à sua frente. Assim, não é verdade que Cleveland esconda Story: bem pelo contrário, um dos aspectos mais singulares desta aventura interior decorre do facto de toda a pequena comunidade que habita o condomínio assumir o problema de Story como uma questão interna da sua própria afirmação e sobrevivência. E ainda é menos verdade que o realizador M. Night Shyamalan esteja preocupado em confirmar a sua "imagem de marca" como alguém que, cinco minutos antes dos filmes acabarem, nos surpreende com alguma revelação mais ou menos estonteante... Será que ainda há quem pense que os filmes se esgotam no "final" das suas "histórias"? O que aconteceu até lá chegarmos já não conta?...
A Senhora da Água é um verdadeiro filme sobre a religiosidade: nele, cada imagem é a exposição de uma realidade e a revelação dos limites dessa realidade. Ou ainda: uma fábula em que o Bem e o Mal se confrontam perante o olhar ansioso do espectador. E também um filme genuinamente político que relança a questão política mais primitiva: que mundo desejamos e construímos na nossa relação com o(s) outro(s)?

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