sexta-feira, setembro 29, 2006

Em conversa com Hilly Krystal (2)

Conclusão de uma conversa com Hilly Krystal, o fundador (e ainda hoje dono e principal responsável) do CBGB, instituição mítica na história rock'n'roll de Nova Iorque, que ali vive o seu derradeiro mês de vida, as portas com ordem para encerrar, definitivamente, a 31 de Outubro. Segue-se nova vida em Los Angeles... Mas a luta continua. Pela segunda vida do CBGB em Nova Iorque. Pela vida do próprio Hilly, a quem foi recentemente diagnosticada uma doença grave. A entrevista foi gravada numa manhã do passado mês de Abril, no pequeno escritório de Hilly Krystal, à entrada do clube, e foi originalmente publicada em Agosto na revista '6ª', do Diário de Notícias.

A partir de certa altura, por volta de 1976, o nome do clube tornou-se conhecido, inclusivamente fora do país… As novas bandas punk inglesas também queriam tocar no CBGB...
Creio que isso aconteceu porque o Seymor tinha um acordo inicial com editoras em Inglaterra e Holanda… Eram acordos de distribuição… Ele estava atento ao que estava a acontecer, e levou lá fora os Ramones em digressão. E isso pôs as coisas a mexer mais… Mas já havia bandas em Inglaterra… Só que os jornalistas ingleses não falavam delas no início. Penso que a digressão dos Ramones estimulou a imprensa. As bandas inglesas tocavam até aí em pubs, que fechavam às onze e meia da noite, hora a que todos eram corridos. Nos pubs ingleses havia dois sets por noite, enquanto que nós, em Nova Iorque, apresentávamos quatro, porque também ficávamos abertos até às três ou quatro da manhã. Os jornalistas ingleses aperceberam-se do que estava a acontecer e entusiasmaram-se. Penso que o carácter rebelde do movimento punk até era mais desejado em Londres que em Nova Iorque. Aqui tinha havido uma grande recessão no início dos anos 70, mas as pessoas ainda tinham o suficiente, não era um desastre. As rendas eram baratas, a gasolina era barata. Tudo era barato… Mas em Inglaterra vivia-se um ambiente mais problemático. E os miúdos ingleses não tinham onde ir. A cidade americana que mais se assemelha musical e socialmente ao que então se viva em Inglaterra era Cleveland. Havia muitas bandas de Clevland… E de Buffalo e também Detroit. Havia os Dead Boys, Pere Ubu, Devo, e antes deles outras mais.

Sempre que se fala no CBGB as memórias apontam aos anos 70, mas nos 80 e 90 as bandas nunca deixaram de aqui tocar…
O Lou Reed, por exemplo, já cá vinha antes, mas como tantos outros, só começaram a querer vir tocar quando viram que qualquer coisa estava a acontecer. Nos anos 80, por exemplo, havia bandas como os B-52’s, os Sonic Youth. Os Sonic Youth não eram ninguém quando aqui começaram a tocar, e as pessoas saiam a meio dos concertos deles… Os Swans também aqui passaram nos primeiros tempos.

Já aqui tocaram bandas portuguesas…
Houve uma banda punk muito boa que cá tocou, recentemente… Gostei muito, mas não me lembro do nome da banda. Mas lembro-me que os Shirts foram a Portugal em 1979. Venderam muito bem o Laugh And Walk Away, se não me engano… O grupo está reunido, sem a Annie. Mas soam muito bem. O som é parecido ao que tocavam… Um pouco mais velhos, mas muito bem. O disco deve sair brevemente.

O que pensa destas reuniões recentes: Blondie, Television?...
Os Blondie nunca estiveram realmente separados. Os Television, esses sim, separaram-se, porque o Tom Verlaine é um homem muito estranho. Não o vejo há muitos anos… Éramos amigos… A Patti Smith está muito bem, com o mesmo grupo de sempre. Regressando aos Blondie… Houve uma pausa natural quando o Chris esteve doente, e então tiveram mesmo de parar. Mas recuperou. E a Debbie nunca deixou de trabalhar. Mas do que ela gostava mesmo era da banda…

Qual é o legado do CBGB para Nova Iorque e para a cultura popular em geral?
Gostei muito do que aqui aconteceu nos anos 70. Havia uma necessidade entre os mais jovens para se afirmar como indivíduos, uma vontade de dizer algo, coisas positivas, coisas negativas. Não era um discurso como o que se fizera contra a guerra no Vietname, era mais individualista. E isso é saudável. É importante que os jovens de todo o mundo possam dizer o que sentem. O que aqui fizemos foi isso. E o legado que deixamos foi o termos apoiado, ou mesmo forçado, essa nova geração a dizer o que queriam, a mostrar o que eram, a ser quem eram. Fica o legado por essas e muitas outras razões. O rock’n’roll é uma espantosa força unificadora. É político, mas também anti-político, no sentido em não coloca necessariamente um contra o outro. É fácil de tocar. É fácil pegar numa guitarra e aprender a tocar. Ou o baixo ou a bateria. E se se tem algo para dizer, diz-se. Basta isso. E há quem o faça a vida toda, mesmo que depois venham a ter outras profissões. Espalhou-se pelo mundo fora. E porque é um meio de expressar identidade e sugerir identificação, comunica facilmente com outras pessoas. Junta os miúdos.

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